Apesar do número bem inferior de armas de fogo em circulação entre a
população do que nos Estados Unidos, o Brasil registrou, em 2010, 36 mil
vítimas fatais de tiros.
O total é 3,7 vezes o registrado pelos americanos, que tiveram 9.960
mortes, colocando o país no topo dos que mais registram óbitos por arma de fogo
no mundo.
Os números oficiais foram recolhidos por um relatório do Escritório da
ONU contra Drogas e Crimes (UNODC, na sigla em inglês). Os dados do Brasil
foram fornecidos pelo Ministério da Saúde. Nos Estados Unidos, o debate sobre o porte de armas voltou à tona após o
massacre em uma escola no Estado americano de Connecticut que resultou na morte
de 20 crianças e 6 adultos.
O acesso a armas de fogo no país é bem mais fácil; é possível comprar
armas em vários Estados sem a necessidade de registro ou autorização de
autoridades - e o direito à posse é determinado pela própria Constituição. No
Brasil, a posse de armas de fogo é permitida após registro e análise de
antecedentes, mas o porte de armas de fogo é proibido, salvo em casos
excepcionais.
Baseado em estimativas colhidas em 2007, o relatório do UNODC diz que,
nos Estados Unidos, havia 270 milhões de armas em posse da população, contra 15
milhões no Brasil.
Não fica claro, entretanto, se os números são apenas de armamentos
registrados, ou também se englobam estimativas de armas ilegais. O que fica
claro é que os americanos vivem bem mais "armados" do que os
brasileiros.
Mas enquanto nos EUA a taxa de óbitos por arma de fogo é de 3,2 por 100
mil habitantes, no mesmo ano, em 2010, os brasileiros contavam 19,3 mortos por
100 mil.
Na América do Sul o Brasil só perde para a Venezuela, com 39 mortes por
100 mil habitantes (2009 – último dado) e para a Colômbia, com 27,1 mortes por
100 mil habitantes (2010).
O México, que vive uma epidemia de violência, viu seu índice de
mortalidade saltar de 2,9 por 100 mil em 2003 para 10 para 100 mil em 2010.
Impunidade
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil veem diferenças nos graus e na
forma como violência é tratada por americanos e brasileiros.
Para o sociólogo Guaracy Mingardi, ex-secretário de Segurança de
Guarulhos (SP) e atual assessor da Comissão Nacional da Verdade, "Brasil e
EUA tem culturas diferentes de violência".
"A principal questão é a Justiça. Nos Estados Unidos a
probabilidade de levar um homicida para a prisão é muito maior que no
Brasil", afirma. Segundo ele, a impunidade abre caminho para a violência
no país.
A natureza dos crimes também é diferente. "No Brasil, a violência
interpessoal, que engloba briga de bar, de vizinho, marido e mulher, responde
por mais da metade das mortes", diz.
Para José dos Reis Santos Filho, sociólogo e professor da Unesp de
Araraquara, existe uma cultura de violência no país.
"No Brasil ainda há a tendência de se resolver as coisas de maneira
imediata, ir rápido às vias de fato", diz.
"Nos Estados Unidos, a ofensa à integridade física é um tema
sensível", diz, observando que é possível com muito mais facilidade
conseguir indenizações na Justiça em casos de agressões.
Desarmamento
Nos EUA, o debate sobre o acesso às armas volta à tona após o massacre
em uma escola de Connecticut
Santos observa que a legislação contra armas no Brasil é muito mais dura
que nos EUA, onde é fácil o acesso a armamentos.
"Mas o fato de haver uma legislação avançada na área não significa
que o conjunto dos cidadãos avançou nesta área", diz.
Em 2003, entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento. Desde então, o
governo passou a promover campanhas de entrega de armas. Segundo o Ministério
da Justiça, mais de 612 mil armamentos foram entregues desde então.
Mingardi se mostra otimista. Diz que desde então o "Brasil está em
uma fase de evolução".
Ele chama a atenção, no entanto, para o grande número de armas
contrabandeadas.
"Com o Estatuto há um controle das armas. Mas a questão é que há um
grande número de armas ilegais circulando no país", diz.
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