Seca no sertão

“Mandacaru quando flora lá na seca, é um sinal que a chuva Chega no sertão...”
      
Assim anunciava o sábio Luiz Gonzaga, em sua canção “Xote das Meninas”, assim profetiza o Cacto, vegetação da Caatinga, que com o brotar de seus frutos vermelhos prenuncia a chuva. A sensibilidade da flor do cacto não dura mais que uma noite, entretanto a dureza de sua constituição, seus espinhos e gosma, em dias de comida escassa, alimentam o gado e a esperança daquele que vive em solo rachado – O mandacaru, tal como o sertanejo, resiste à seca, mesmo das mais violentas.
 “A seca é inevitável”, dizia em “Os Sertões”, Euclides da Cunha. E assim o é porque é um fenômeno natural, um problema climático que ocorre no nordeste, região localizada em área de pouca chuva. Por ser um fenômeno ecológico, que prejudica o crescimento das plantações e produção agropecuária, a seca gera um problema social e, consequentemente, se transforma em problema político. A seca transforma em drama a vida de muita gente. Dos 417 municípios da Bahia, 186 já decretaram estado de emergência. São mais de dois milhões de baianos sofrendo com a falta de chuva, como relatou domingo e segunda, em matéria de capa, o Jornal A Tarde. 
A seca também acaba beneficiando os estados mais ricos, uma vez que o sertão torna-se espaço de difícil sobrevivência. O homem sertanejo sem alternativas acaba migrando, deixando sua terra, deixando para trás sua história, suas raízes e seu povo, para fazer chover em terras estranhas, através do suor de seu trabalho. O nordestino estigmatizado como preguiçoso acaba por ajudar a construir uma terra que o hostiliza. Dura ironia do destino. 
Desmatamentos, temperatura da região, quantidade de chuvas, relevo topográfico, o fenômeno "El Niño", além de constante destruição da vegetação natural por meio de queimadas, muitas são as causas apontadas para o chão rachado, morte do verde, falta de água, escassez de alimentos, miséria extrema e migração. Entretanto, não podemos sintetizar o fenômeno ecológico “seca” apenas à escassez de água. Existe água no sertão, mas são minguadas as políticas públicas para resolver a sua distribuição, bem como as dificuldades dos nordestinos de aproveitá-la. A Amazônia possui água em abundância e, assim como o nordeste, apresenta suas mazelas: enchentes, doenças, solos sem nutrientes para o plantio. Por outro lado, temos ao nosso alcance histórias de países localizados em regiões parecidas com nossa, a exemplo de Israel que conseguiu, em 10 anos, desenvolver a agricultura através da utilização de culturas irrigáveis. 

A seca acaba também alimentando o sistema capitalista que precisa da miséria alheia pra se reproduzir, se perpetuar. Valendo-se da propaganda de que o povo nordestino está morrendo de fome, latifundiários do nordeste aproveitam-se, estrategicamente, de aliados políticos - abusam do drama sertanejo em beneficio próprio - conseguem mais verbas, incentivos fiscais, concessões de crédito e até mesmo perdão de dívidas. Em cima da miséria alheia enriquecem, protelando a busca de soluções dos problemas sociais, bem como de ofertas de emprego para os trabalhadores sofridos do nordeste.
“Sertão é dentro da gente”, dizia Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas. Sabendo-se seca, e dono de suas vozes, o sertanejo humilhado, humildemente agradece, ao mesmo tempo em que pede e apresenta solução para sua secura que transcende o interno: “Seu doutô os nordestino têm muita gratidão/ Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão/ Mas doutô uma esmola a um homem qui é são/ Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão/ É por isso que pidimo proteção a vosmicê/ Home pur nóis escuído para as rédias do pudê/ Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê/ Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cume/ Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage/ Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage/ Livre assim nóis da ismola,/ que no fim dessa estiage lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage/ Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão/ Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!/ Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão/ Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos” (Vozes da Seca, de Luis Gonzaga).
Alguns autores brasileiros falaram sobre sertão, sertanejo e seca. O ambiente retratado por Graciliano Ramos, no clássico “Vidas Secas” denuncia um sertão austero, cenário de pessoas castigadas, enrugadas e amarguradas pela seca e que, de escassez em escassez, vê a própria vida secar por falta de oportunidades de trabalho e do que comer. 
Nesta obra, a seca é motivo de diáspora, de êxodo rural, de fuga para um lugar civilizado onde supostamente viveriam felizes. Vidas Secas mostra a visão pessimista de Graciliano em relação ao sertão, cujas dificuldades vivenciadas por ele e família servem de inspiração e pano de fundo à obra. A peleja do protagonista Fabiano e de sua família é o retrato da realidade do povo que sobrevive no sertão. Falta trabalho, falta moradia, falta alimento, falta água e, sobram desgraças (extrema pobreza, fome, sede, desnutrição, dificuldade de prosperar) aos que permanecem nele. Por outro lado, em “Grande Sertão: Veredas” Guimarães Rosa ensina que o sertão é lugar de aprendizado da arte de viver, local onde se aprende a ser macho, diante dos embaraços da vida. 
Sertões distintos; mas o mesmo homem: O sertanejo, herói que vive e passa pela secura da terra, que como os galhos da vegetação do semiárido, se contorce ao ver a terra esturricada, o rebento chorando de fome, o boi morrendo, o cachorro magro agonizando por falta do que comer, mas firme permanece, como se fora rocha. Homem de crença inabalável, de uma fé comovente, ajoelha-se, ergue as mãos para o céu e implora a Deus, por intermédio de São José, para a chuva cair. Inevitável comoção - sertanejo é mesmo um forte.

Por: Carlos Geilson é professor, radialista e deputado estadual na Bahia

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