Religião e poder

“Fé imposta beira a impostura. É correto se oferecer ensino compulsório de uma determinada religião nas escolas públicas, sem contemplar outras crenças? É razoável utilizar espaços de prédios públicos para cultos?”
    Foto: Ilustrativa
A espiritualidade nasceu com o ser humano. Já os sistemas religiosos são construções históricas, surgidas há oito mil anos. A separação Igreja-Estado é uma conquista da Modernidade e o Estado Laico, ao contrário do Estado Confessional, de religião oficial, é o maior fiador das diferentes expressões de fé. Quase um século depois da Proclamação da República no Brasil, que separou o poder clerical do secular, a Constituição de 1988 esculpiu um princípio muito saudável no seu artigo 19, vedando “à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Fazer cumprir plenamente o preceito constitucional implica não privilegiar qualquer crença, respeitando todas elas e o direito de não crença. O Poder Público tem que expressar o caráter diverso e plural da sociedade.
Fé imposta beira a impostura. É correto se oferecer ensino compulsório de uma determinada religião nas escolas públicas, sem contemplar outras crenças? É razoável utilizar espaços de prédios públicos para cultos? E se todas as denominações religiosas exigirem as mesmas oportunidades, em legítimo e ecumênico direito? Quem faz essas indagações é alguém que reconhece na sua formação o papel vital que teve e tem a religião. Mas isso não autoriza a defesa do seu monopólio. No século XXI, nenhuma crença vigente no mundo tem mais do que 25% de adeptos. É preciso respeitar os 75% outros. Em um olhar sociológico, Deus mesmo não tem uma única religião…
Muitos, porém, não conseguem conviver com o diferente. Maniqueístas, divinizam ou satanizam tudo, ameaçando com o ‘castigo divino’ aqueles que consideram na ‘perdição’. A gênese totalitária de seu pensamento, para afirmar um é preciso negar o outro. Outro a quem, no máximo, posso oferecer perdão e ‘cura’. O fundamentalista só crê na própria verdade e na sua cruzada de propagá-la ao outro, a qualquer custo. Adepto do “crê ou morre”, tudo o que foge aos seus dogmas é manifestação do mal.
O fundamentalista não admite o espaço laico da política. O deputado pastor que preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados – por leniência de quem deveria exercê-la – explicou sua missão em pregação recente, em Passos (MG): “lá do céu veio uma voz inaudível aos ouvidos dizendo: ‘Meu filho, não é você agora, não é o seu partido, é a minha igreja que está sendo representada’”.
Alguns falam, hoje, de uma suposta “cristofobia”, mas religiões discriminadas no Brasil são as de matriz africana.  Não as cristãs, das tradicionais às neopentecostais. Há liberdade até para os que, segundo o insuspeito presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus, pastor José Wellington, “vivem explorando, arrancando dinheiro do povo”.
As religiões, sem partidos ou bancadas, cumprem seu papel inspirando seus seguidores à prática, na vida terrena, da justiça, da fraternidade e da igualdade. Nisso eu ponho fé!

Por: Chico Alencar, Via: Congresso em Foco


Escrito por: Iram de Oliveira


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