Por: Helder Caldeira
A surdina é mãe
dileta das maiores desgraças brasileiras. Nossa “bananeira-jeitinho” consagrou
o silêncio dos fatos como ensurdecedor instrumento de manobra ideológica e
politiqueira. Sob o império da impunidade crônica, o Brasil se tornou um
paraíso para os larápios que desejam desfilar fantasiados de heróis, salvadores
da pátria macunaímica. Surdas às verdades, nossas instituições derretem diante
do viés voluntarioso e esculhambado de legendas partidárias amorfas. Na
surdina, indignidade e devassidão saíram da toca, em definitivo, e foram
coroadas mandatárias planaltinas.
À sombra da
jabuticabeira brasiliense, a Câmara dos Deputados enterrou qualquer vestígio de
vergonha na cara e legitimou a figura excrescente do parlamentar-presidiário.
No entanto, é engano observar esse descalabro apenas pela ótica do mero
corporativismo. O que se viu na semana passada foi uma instituição excretora
manter o mandato de um inexpressivo e nanico deputado porecatuense condenado à
prisão, mas com foco na bizarra graça que pode ser concedida aos pares,
digamos, mais graúdos. Afinal, Natan Donadon é um barrigudinho perto das
piranhas que dominam os espelhos d’água do Congresso Nacional.
Por mero jogo de
cena, o presidente da Câmara, deputado potiguar Henrique Eduardo Alves
(PMDB/RN), em decisão monocrática e para serenar o alvoroço da mídia — grosso
modo, a massa eleitoral nem sabe o que aconteceu ou o que isso pode significar!
—, bateu o martelo pela suspensão do mandato do lebiste algemado, convocou o
suplente para assumir a vaga e garantiu que colocará fim ao manto lascivo do
voto secreto para cassação de mandatos. Pura conversa pra boi dormir em berço
esplêndido, como assim desejam Suas Excrescências.
É à surdina que as
reais tratativas estão em curso. Para salvar o mandato de Natan Donadon foram
mobilizados 280 deputados federais, como revelou o placar da votação: 131
contra a cassação, 41 abstenções e 108 ausências. Cumpre ressaltar que, da
centena de faltosos, apenas seis gozavam de justificativa oficial por licença
médica. Os demais 102 deputados que cabularam a sessão em plena quarta-feira podem
ser jogados na vala comum da irresponsabilidade institucional. Na “cota da
mutreta”, em suma.
São esses quase
“300 picaretas com anel de doutor” que pretendem edificar na penitenciária da
Papuda uma sucursal do Poder Legislativo. Na fila imediata dos pleiteantes ao
interessantíssimo cargo de “deputado papudo” estão os parlamentares condenados
pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470, o famigerado Mensalão. Alguns
deles, por absoluto deboche nacional, membros efetivos da Comissão de
Constituição e Justiça. O que para os cidadãos comuns soa bizarrice e ignomínia
parece não ofender o decoro de um Parlamento execrável.
Não por acaso e,
também à surdina, o Complexo Penitenciário da Papuda já está passando por uma
pequena reforma visando maior conforto aos futuros hóspedes, incluindo a
criação de um esquema especial de translado dos eminentes “deputados papudos”
entre o xilindró candango e a Praça dos Três Poderes. O cardápio também será
revisto depois do protesto oficial de Natan Donadon — do alto da tribuna de
honra! — contra a xepa ruim servida aos presidiários. De quebra, o papudo
estreante marcou um golaço no papel de lobista dos apenados.
A partir do
nauseento precedente aberto pela Câmara dos Deputados no último dia 28 de
agosto, faz-se necessário observar o fluxo migratório que invadirá Brasília na
calada da noite. Parlamentares que estão no banco dos réus deixarão seus
estados de origem para fixar domicílio no Distrito Federal, de olho nas vagas
abertas no “Anexo Legislativo” da Papuda. Ao que tudo indica, os “deputados
papudos” passam a integrar a história política brasileira. Que desgraça!
Por: Helder Caldeira é escritor, jornalista político, palestrante
e conferencista, diretor de jornalismo da TV Mutum SBT e
editor-chefe da revista Capa. Autor dos livros‘ÁGUAS TURVAS’ e ‘A
1ª PRESIDENTA’. www.heldercaldeira.com.br –
helder@heldercaldeira.com.br
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