O
"black bloc" acontece nas ruas. Esta afirmação aparentemente
elementar nos motivou a sair de nossos cômodos ambientes universitários e ir
para a rua buscar compreender este complexo fenômeno social que tantos desafios
institucionais e tanta estupefação têm ocasionado na sociedade.
Por: Esther Solano
Nossa rotina de pesquisa consiste em
acompanhar muito de perto as manifestações, observar, perguntar, conversar com
pessoas que utilizam a tática "black bloc", policiais e membros da
imprensa.
Das conversas que tivemos, e das observações
que realizamos, ficou claro que para estes jovens a violência simbólica
funciona como uma forma de se expressar socialmente, um elemento provocador que
tem o intuito de captar a atenção de um Estado percebido como totalmente
ausente.
O uso da violência simbólica também
serve, na versão deles, para induzir a sociedade a refletir sobre a necessidade
de uma mudança sistêmica: "protesto pacifico não adianta nada, só com
violência que o governo enxerga nossa revolta", "a intenção é transgredir,
incomodar, deixar visibilidade, chamar para um debate".
A ação direita se faz contra símbolos
de um sistema político-corporativo que eles reconhecem como perverso.
Os jovens que utilizam a tática
"black bloc" dizem usar uma violência teatral que chama a atenção
para o que eles caracterizam como o verdadeiro vandalismo. Tal vandalismo seria
uma ordem das coisas que engole o cidadão numa tirania continua.
Exemplos de frases que retratam isso
são: "a causa do 'black bloc' agir é o descaso público. As pessoas estão
sendo torturadas psicologicamente pelo cotidiano", "não somos
vândalos, vândalo é o Estado que deixa as pessoas horas esperando na fila do
SUS".
SUJEITOS POLÍTICOS
Estes jovens com os quais viemos
conversando em São Paulo estão na faixa etária entre 17 e 25 anos.
São de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns formados ou se formando em universidades particulares, embora já dialogamos também com alguns alunos da USP.
São de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns formados ou se formando em universidades particulares, embora já dialogamos também com alguns alunos da USP.
Alguns acumulam leituras teóricas sobre
anarquismo. A maioria deles consegue formular, refletir e dialogar fluidamente
sobre a precariedade do Estado e da situação atual do Brasil. Pensam-se como
sujeitos políticos com uma mensagem de melhoria do país.
Todavia, eles não formam uma
organização homogênea. Já presenciamos discussões, durante as manifestações,
entre aqueles que são a favor de uma violência mais focada, estritamente
simbólica, e aqueles que defendem uma ação mais pesada.
Notamos divergências entre aqueles que
são contra agredir policiais porque, na sua reflexão, o inimigo central é o
Estado, e aqueles de cujas falas destila-se uma raiva profunda contra a
corporação policial. Uma frase que explica isso foi dita uma vez por um jovem para
quem "nem todo o mundo pensa igual embora se vista igual".
FETICHE MIDIÁTICO
Um dos aspectos que surge como central
na nossa pesquisa é o papel da mídia neste fenômeno. É muito simbólico ver a
enorme quantidade de jornalistas que aparecem nas ruas sempre que a tática é
utilizada.
"Black bloc" virou um
fetiche, uma construção midiática. Notamos isso ao perceber o quanto os órgãos
de imprensa estão falando e escrevendo sobre o "black bloc".
Enquanto isso, pouco se fala a respeito
das taxa de homicídios nas periferias ou o número de mortes no trânsito. Tais
violências se naturalizaram no cotidiano brasileiro. O "black bloc"
desmascarou esta lógica dual de tratar a violência.
Talvez o fenômeno mais preocupante até
agora seja a polarização entre a Polícia Militar e os defensores da tática.
O Estado, guardião da propriedade
pública e privada, guardião da ordem, emprega uma ação policial cada vez mais
dura e um aparato legal cada vez mais criminalizador.
A consequência pode ser o aumento da
presença da tática "black bloc" nas ruas, num efeito de reação. Como
eles nos dizem: "Quanto mais repressão, mais revolta".
Uma parte dos jovens com quem
conversamos já foi detida durante as manifestações. Cabe agora saber se eles
continuarão saindo às ruas mesmo com a ameaça de voltar para a delegacia, desta
vez como reincidentes. E mesmo com a ameaça da lei de associação criminosa.
A pergunta essencial que cabe, como
sociedade, é por que estes jovens, que desprezam a rigidez hierárquica
partidária, que não se sentem representados pelo atual modelo político e
econômico, enxergam a violência como única possibilidade de expressão?
Por:
ESTHER SOLANO é professora de relações
internacionais da Unifesp. RAFAEL ALCADIPANI é professor de estudos
organizacionais da FGV-EASP/Via: Folha de São Paulo
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