Religião e ideologia são os álibis de
uma guerra que produziu mais de 3 milhões de mutilados e 100 mil civis mortos
no Iraque, diz Pedro Valls Feu Rosa
Você já
ouviu falar de Hamza Hameed? Trata-se de um aleijado. Ele perdeu a perna
direita e um dedo da mão esquerda durante um bombardeio aéreo. Hameed não
estava em armas – ele simplesmente passava por um mercado popular de Bagdá.
Por: Pedro Feu Valls Rosa
Este não foi um caso isolado. Há
poucos dias li um chocante relatório divulgado pela Agência Reuters dando conta
de que o número de iraquianos aleijados já beira a casa dos 3 milhões, alguma
coisa em torno de 10% da população.
Segundo consta, apenas um quarto
desses aleijados consegue próteses que suavizem suas vidas, pois a falta de
materiais é aguda. Tão aguda como a miséria deles, condenados a viver com uma
ajuda mensal equivalente a cerca de R$ 68.
Enquanto
isso, segundo dados divulgados pelo serviço Iraq Body Count, já
passa de 100 mil o número de civis iraquianos que perderam a vida desde 2003,
vítimas de violência. Há também o sofrimento das crianças. Segundo consta, a
desnutrição infantil já ultrapassou os índices do Burundi, do Uganda e até do
Haiti – basta dizer que se estima em 70% o total de escolas que sequer água
potável têm.
Enquanto
isso, em 2003, o jornal francês Le Monde noticiava que uma
única empresa norte-americana foi agraciada com contratos no valor total de US$
600 milhões, envolvendo desde exploração de petróleo até obras de reconstrução.
Esta não foi uma notícia isolada: no dia 12 de março do ano seguinte o
jornal Cape Cod Times denunciou que “muitas das empresas que
receberam contratos no valor de US$ 130 milhões ao longo desta semana para
realizar obras no Iraque tem fortes conexões em Washington”.
No ano de
2007, essas obras de reconstrução foram assim descritas pelo sério jornal The
New York Times: “Inspetores descobriram que em uma amostra de oito projetos
que os Estados Unidos declararam sucesso sete não funcionavam. Os Estados
Unidos haviam admitido anteriormente, às vezes sob pressão de inspetores
federais, que alguns dos projetos de reconstrução haviam sido abandonados,
atrasados ou pessimamente executados. As inspeções abrangeram do norte ao sul
do Iraque, e cobriram projetos tão variados como uma maternidade, alojamentos
para as forças iraquianas e uma estação de força para o aeroporto de Bagdá.
Em 2008, o mesmo jornal divulgou
que “gigantes petrolíferas ocidentais estão em fase final de acertos com o
Iraque para voltarem a explorar as reservas petrolíferas do país sob contratos
firmados sem concorrência”.
Curiosamente,
na mesma data em que li estes textos tive acesso a uma outra notícia, publicada
pelo jornal USA Today, dando conta de que os rifles utilizados
pelas tropas norte-americanas têm gravados neles versículos da Bíblia. Em um
deles a reportagem localizou uma referência a João 8:12: “Eu sou a luz do
mundo: aquele que me seguir não andará na escuridão, mas terá a luz da vida”.
Diante deste quadro, tenho que
nunca foram tão acertadas as palavras de Eugène Ionesco: “Em nome da religião,
constroem-se piras. Em nome das ideologias, pessoas são torturadas e mortas. Em
nome da justiça, são injustiçadas. Em nome do amor a um país ou uma raça,
outros países e raças são desprezados, discriminados ou massacrados. Em nome da
igualdade e da fraternidade, praticam-se a perseguição e o ódio. Não há nada em
comum entre os meios e os fins. Os meios vão muito mais longe que os fins. Na
verdade, religião e ideologia são apenas álibis para esses meios”.
Por: Pedro Feu Valls Rosa
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