“A terceirização não é apenas o túmulo
do trabalho formal e dos direitos do trabalhador, como também a precarização de
toda a economia e o caos social em sua expressão mais infame”, Por: Carlos Lugarzo
“Quando se trata de terceirizar produtos com
alto teor de mão-de-obra, o índice salarial da China, extremamente baixo, é uma
vantagem óbvia”[Grifos meus]
James W. Hemerling, consultor de grandes bancos americanos e um dos gurus da
globalização. Sua frase não deixa dúvida sobre as “vantagens” de terceirização.
O conceito precário é
graduável, pois podemos falar de moradias mais ou menos precárias,
hospitais mais ou menos precários, trabalho mais ou menos precário,
etc… “Remuneração precária” é uma forma de pagamento que não é totalmente
estável e que não atende os direitos trabalhistas (por exemplo, 13º salário,
férias remuneradas, gratificações diversas).
Mesmo em algumas sociedades
avançadas, há alguma dose de trabalho precário, mas num estilo que não afete os
direitos básicos. O motivo da existência desse trabalho nem sempre é favorecer
o empregador, como ocorre na maioria dos países subcivilizados (os dos Brics,
por exemplo). Às vezes, o problema é que o trabalhador é contratado para uma
atividade efêmera. Vejamos alguns exemplos:
1) As bolsas
de estudo (especialmente as de pós-graduação) são auxílios econômicos
para estudar, mas se tornam “salários” indispensáveis para a vida do estudante full-time que
não tenha posses suficientes. Esse salário é precário, mas não
poderia ser estável, pois em algum momento os estudos acabam e, portanto, cessa
a condição de bolsista.
2) Outro
caso é o do salário por contrato por tempo determinado (renovável
ou não), que está considerado nas leis trabalhistas.
Em alguns países a instabilidade
dos contratos se compensa com um razoável seguro de desemprego. Na Suécia, por
exemplo, toda pessoa com 20 anos ou mais em procura de emprego (seja que tenha
perdido ou seu, seja que procure o primeiro emprego) recebe um estipêndio de
320 coroas/dia = 109,93 reais/dia.
3) Outro
caso, cuja precariedade é mínima, é o de emprego paralelo (não
encontrei uma palavra mais adequada para expressar esta situação). É o caso da
pessoa que muda temporariamente de instituição, mas esta mantém, seja seu
salário, seja apenas a vaga, durante o tempo que dure seu emprego paralelo.
Nas universidades, sempre
utilizamos este método ao contratar professores estrangeiros por semanas,
meses, tempo determinado. Usualmente, eles não tinham 13º.
Este foi o
método utilizado com os médicos estrangeiros do programa Mais Médicos. Sua
precariedade é mínima e até menor que a dos professores estrangeiros
contratados pelas universidades.
4)
Finalmente, temos o grau de precariedade máxima. Esse é a precarização
deliberada de um trabalho que inicialmente era formal e é
transformado num “bico” acidental. O que propõe o PL 4330 é o melhor
exemplo dessa precarização. Aqui, a instabilidade é absoluta. Não é trabalho
escravo apenas porque o trabalhador e sua família podem morrer de fome ou
doenças em liberdade, enquanto o escravo morrerá em cativeiro.
A terceirização é
o processo pelo qual uma instituição ou empresa, em vez de contratar sob sua
responsabilidade os trabalhadores que precisa, aluga os
serviços deles de uma terceira parte. Observe que “terceirização”, no sentido
definido nas leis brasileiras, significa não apenas a compra de um
serviço de outra empresa. Significa compra exclusivamente de
serviços, prestados por empregados que devem trabalhar nas instalações da
terceirizadora, que, por sua vez, fixa as condições de pagamento para a
terceirizada.
Por exemplo,
uma grande corporação precisa de faxineiros. Em vez de contratá-los como
funcionários dela, chama uma terceirizada e oferece uma soma de dinheiro que
permite aos empregados apenas uma fração de um salário e benefícios justos. Um
juiz brasileiro mostrou que o empregado terceirizado receberá
um 30% menos que o funcionário (na prática, as diferenças podem ser muito
maiores).
Um fato
importante é que, sempre, a terceirizada é uma pequena empresa,
montada sem nenhuma infraestrutura, que simplesmente recruta pessoas
desempregadas ou desesperadas, por somas irrisórias (que usualmente sofrem
atrasos) e as aluga à empresa contratante. Via de regra, a empresa terceirizada
participa de licitações pelo menor preço, obtém um retorno inconsistente e
insuficiente para a remuneração dos empregados, dos administradores e donos,
não consegue se estruturar e tem sérias deficiências e conhecimentos
administrativos, financeiros, contábeis e fiscais.
Muitas
“gangues” terceirizadas são idênticas ao que na fronteira entre os EUA e o
México chamam de gangues de “coiotes”, traficantes de trabalho precário.
As empresas terceirizadas são tão oportunistas que podem ser dissolvidas
bruscamente ou deslocadas para outro ramo do mercado. Usualmente, esses
movimentos deixam seus empregados contratados sem os salários e benefícios
devidos e, ao mudar de ramo ou se dissolver, tornam-se de difícil investigação
por parte da Justiça para o ressarcimento dos empregados caso se tenha
interesse em puni-las. O PL 4330 faz mesmo é dar aspecto legal a estas
fraudes.
O PL 4330 torna
ainda mais iníqua a Lei de Terceirização da ditadura: a lei da ditadura
terceiriza apenas a função meio, mas a 4330 permite não apenas terceirizar a
função meio, mas também a função fim. Com a lei da
ditadura, um tribunal poderia terceirizar os faxineiros do fórum. Com a nova
lei, poderão ser terceirizados até os juízes. Isto talvez não
aconteça no Brasil, mas aconteceu na Argentina durante o governo de Menem,
quando alguns juizados foram terceirizados. Você já pensou o que seria ter sua
causa julgada por um juiz contratado por umcoiote?
A terceirização não é apenas o
túmulo do trabalho formal e dos direitos do trabalhador, como também a precarização
de toda a economia e o caos social em sua expressão mais infame. A existência
de algumas dúzias ou centenas de mercenários propondo este projeto não legitima
essa ação criminosa, só confirma seu caráter brutal.
Por: Carlos Lugarzo
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