Uma
das mais elementares e importantes lições da Sociologia é aquela que afirma que
a criatura humana é moldada pelo ambiente social e cultural em que vive. Somos,
até certo ponto, resultado do universo social no qual estamos inseridos.
Por: Cesar Alberto Ranquetat Júnior
Boa
parte de nossas condutas, de nossos conhecimentos, de nossos valores e crenças
provém dos grupos sociais que participamos. As leis, a moral, a religião e toda
a plêiade de instituições sociais não são uma criação minha; existiam antes de
mim e continuarão a existir por um tempo que em muito ultrapassa a existência
de cada indivíduo. Contudo, são estas instituições que ordenam, padronizam e
regulam a conduta de cada um de nós e, ainda, transmitem e infundem uma série
de idéias e noções em nossa mente.
Imitamos
e reproduzimos modos de ação, assim como opiniões e convicções políticas,
religiosas e filosóficas existentes em um dado meio social. Pensamos, sentimos
e agimos de acordo com um esquema cultural específico, a partir de uma
particular cosmovisão já cristalizada e sedimentada em uma coletividade. Desta
forma, cada indivíduo é uma espécie de espelho do seu ambiente social e
cultural. O indivíduo é, sob certo aspecto, um microcosmo que reflete e exprime
o seu macrocosmo societal mais amplo. Como já afirmava Platão, a comunidade é
um homem em letras grandes, e o indivíduo é a comunidade em miniatura.
Com
efeito, há uma relação incontornável entre o indivíduo e a sociedade. Desse
modo, quando a estrutura sócio-cultural e os sistemas de valores se
desorganizam, a vida mental e moral dos membros de uma coletividade entram em
desintegração, conforme lição do sociólogo russo Pitirim Sorokin. Ou seja, uma
grave crise social e cultural pode conduzir à própria desintegração da
personalidade. A existência de “patologias sociais” pode levar a sérios
distúrbios psíquicos – e vice-versa. Resumindo com palavras mais diretas: uma
sociedade doente produz homens doentes, da mesma forma que homens com
personalidades fragmentadas e obtusas produzem coletividades insanas e
desarmônicas. Isto decorre do fato de que, embora distintas, a ordem da alma ou
da psique humana e a ordem social e política se entrelaçam, apresentando pontos
de contato e linhas de continuidade.
A
desordem social, política e cultural, conforme ensina Platão, é resultado e
sintoma da desordem na alma individual humana. Por outro lado, um universo
social, cultural e político degradado acaba, também, por degradar os homens que
são parte dele.
Embora
os indivíduos sejam elementos de uma determinada sociedade, e sejam afetados e
influenciados por ela, são, além disso, algo que a ultrapassa. De acordo com o
filósofo social Recássens Siches, “[...] a sociedade não absorve todo
o seu ser, pois este em sua raiz essencial é a individualidade íntima e
insubstituível”. Cabe aqui ressaltar que a pessoa humana não é um
objeto, uma mera coisa, passiva e inerte, um algo qualquer a ser manipulado e
instrumentalizado. É, sim, um sujeito agente, alguém determinado, com um “rosto
próprio”, com uma individualidade única e um destino singular.
Sendo
assim, em parte os indivíduos são definidos pela sociedade, e condicionados
pelo ambiente social, mas também são eles que definem, criam e conservam o
mundo social. Podendo, além disso, modificar e transformar por completo as
estruturas e as instituições sociais.
Uma
teoria social e antropológica sensata e realista, parte do homem concreto, de
“carne e osso”, inserido em uma circunstância social específica e vinculado a
um conjunto variado de grupos sociais. O homem isolado, desenraizado e
desvinculado de qualquer cenário e agrupamento social é um abstratismo de
teorias sociais e correntes filosóficas atomistas.
Somo
seres sociais, vivemos em sociedade e somos parte de múltiplas configurações
sociais como a família, a associação de bairro, a escola, a universidade, a
igreja, etc. Mas somos acima de tudo indivíduos, dotados de vontade livre,
inteligência e consciência. Um centro de força agente, um ator com a capacidade
de escolha, deliberação e intervenção. Somos, enfim, o único animal capaz de
dizer não e resistir às pulsões íntimas e aos mecanismos de controle social
externo. Podemos navegar contra a correnteza, pois como afirmava Chersterton: “Uma
coisa morta pode seguir a correnteza, mas somente uma coisa viva pode
contrariá-la”. O individual, o pessoal, e o social e coletivo são
duas dimensões estruturais da vida humana. Conformam dois pólos tensionais
inescapáveis. De tal forma que a exclusão forçada e artificial de um destes
dois elementos é invariavelmente danosa à existência humana.
Imagem: tela Nederlandse Spreekwoorden (provérbios holandeses), 1559, de
Pieter Brueghel
Artigo
publicado no site Revista Vila
Nova
Por: Cesar
Alberto Ranquetat Júnior, é Doutor em Antropologia
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor de Ciências
Humanas na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)/Campus Itaqui.
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