No Brasil, 20% dos diagnósticos de câncer de próstata são feitos em fase avançada. Mas a medicina conseguiu ampliar em 30%, em cinco anos, a taxa de sobrevida dos pacientes Por: Adriana Dias Lopes
Aos 68 anos,
Herbert Fontenele recebeu o diagnóstico de câncer de próstata metastático. O
tumor invadira a bexiga, a uretra e os ossos. Era 2009. Pelas estimativas
médicas, Fontenele teria apenas um ano de vida. Mas ele não desistiu. Foram
doze sessões de quimioterapia e outras 32 de radioterapia. E os efeitos
colaterais do tratamento, terríveis — dores fortes na região do abdômen,
vômitos constantes e prostração. “O sofrimento era tão grande que cheguei a
pensar que deveria ter deixado a doença seguir seu rumo natural”, diz
Fontenele. A situação começou a mudar em 2010, quando ele participou das
pesquisas finais de um novo medicamento para câncer de próstata metastático, a
abiraterona. Em seis meses, seu quadro clínico se reverteu. O PSA, o principal
marcador sanguíneo da doença, atingiu uma taxa equivalente à de um homem
saudável, de 0,3. Fontenele mantém a terapia com o medicamento e seguirá assim
até o momento em que o câncer deixar de reagir à abiraterona — quatro
comprimidos diários e nenhuma reação adversa. Hoje, a vida dele é a mesma de
antes da doença: trabalha, passeia com os amigos, viaja com a família e faz
caminhadas pelas praias de São Luís, no Maranhão, onde mora.
A reviravolta na
doença de Fontenele é um excelente retrato da história do tratamento do câncer
de próstata metastático. Lançada comercialmente no Brasil em 2012, a abiraterona é um
dos quatro novos medicamentos desenvolvidos nos últimos três anos para o
combate à doença. Com eles, a taxa de sobrevivência dos doentes aumentou 30%,
em cinco anos. Pode parecer pouco, mas não é. A elevação da taxa de sobrevida nos
últimos cinco anos de pacientes com tumores avançados de mama girou em torno
dos 20%. Dos de intestino, 10%. O tempo a mais que esses remédios proporcionam
é como aquele que Fontenele experimenta — sem dores, sem prostração, sem
enjoos. Vida normal, portanto. O diagnóstico de câncer de próstata metastático
já não significa mais necessariamente uma sentença de morte. “Trata-se do maior
impacto já visto em tão pouco tempo no tratamento de qualquer câncer
metastático”, diz Fernando Maluf, chefe da oncologia clínica do Centro
Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, da Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
De todos os
cânceres em fase de metástase, o de próstata é o mais controlável. Os novos
medicamentos são desenvolvidos a partir de uma tecnologia extremamente
sofisticada. A abiraterona, por exemplo, ataca o tumor em duas frentes. Corta a
produção na glândula suprarrenal do hormônio testosterona, o combustível para
os tumores prostáticos, e diminui a síntese do hormônio dentro das células
cancerígenas. Além da abiraterona, há três medicações de ultimíssima geração (veja
o quadro abaixo). Algumas delas são de um requinte tecnológico
impressionante, como a vacina terapêutica Sipuleucel-T. Feita sob medida para o
paciente, ela estimula o sistema imunológico a combater as células tumorais. Um
mês de tratamento custa 90 000 reais. Ainda não há previsão de chegada da vacina
ao Brasil.
O câncer de
próstata está entre os tumores mais indolentes. Ele leva quinze anos para
atingir 1 centímetro
cúbico. Com esse tamanho, pequeno, o tumor está confinado à glândula, e pode
ser tratado com tranquilidade. Quando ele escapa e atinge outro órgão, a coisa
muda de figura. “A lentidão, benéfica no início da doença, torna-se um grande
problema na fase de metástase”, explica o oncologista Andrey Soares, do
Hospital Albert Einstein e do Centro Paulista de Oncologia, ambos em São Paulo. Tumores
de crescimento lento são resistentes à quimioterapia, a primeira opção de
tratamento nos casos de metástase. Isso porque os quimioterápicos têm como
característica atingir o DNA da célula tumoral sobretudo durante a divisão das
células. “Quando a divisão é lenta, o efeito da químio é menor, portanto. E é
nesse cenário que os novos medicamentos representam uma grande notícia”, diz
Gustavo Guimarães, urologista do hospital A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo.
Todos os anos 60 000 homens recebem o
diagnóstico de câncer de próstata no Brasil — é a segunda neoplasia mais comum
entre o sexo masculino, depois dos tumores de pele. Quando a doença é
diagnosticada e tratada precocemente, a cura chega a 97%. O problema é que dois
em cada dez casos da doença no país são descobertos em fase de metástase. Nos
Estados Unidos, esse índice cai à metade. Diz Marcello Ferretti Fanelli,
diretor da Oncologia Clínica do A.C. Camargo: “Conseguiremos reverter essa
situação com investimentos na prevenção”. Lembre-se aqui do bê-á-bá: homens que
pertencem a grupos de risco, como os pacientes negros ou com casos de câncer de
próstata na família, devem fazer exames de rotina anuais a partir dos 45 anos.
Os que não correm risco, a partir dos 50 anos. Os exames consistem no teste
sanguíneo do PSA e no toque retal. Ainda há muito a ser feito — apenas metade
dos brasileiros com mais de 45 anos vai ao urologista regularmente.
Fonte: Vejaonline
0 Comentários