“A cada mês, 600 crianças brasileiras perdem
a vida por conta do mesmo problema: a falta de saneamento básico! São
três Morros do Bumba por mês! Ou, para alguns compreenderem, o
equivalente a três aviões Boeing lotados de crianças caindo por mês”,
diz desembargador
Por: Pedro Valls Feu Rosa
A frase é de Bernard Shaw: “o maior dos males e o pior dos crimes é a
pobreza”. Fiquei a pensar nela ao recordar a tragédia do Morro do
Bumba, ocorrida há alguns poucos anos no Rio de Janeiro, que ceifou umas
duas centenas de vidas.
Chamou-me a atenção, naquela época, um texto do Diário de Notícias,
de Portugal, que a seguir reproduzo: “A chuva castigou os mais pobres.
Os mortos eram, em geral, pessoas sem emprego fixo, que viviam de
biscates e não conseguiam residência na cidade asfaltada. Por isso,
procuraram as favelas. Não há notícia de que nenhum membro das classes
mais abastadas tenha morrido nesta tragédia. As classes média e alta
tiveram apenas de lamentar a perda de alguns voos para outras cidades.
De qualquer modo, a vida no Rio vai voltando aos poucos ao normal”.
Esta dura mas verdadeira notícia me trouxe à memória uma constatação
divulgada há algum tempo pela ONU, no sentido de que, em termos de
saneamento básico, o Brasil chega a ficar atrás do Sudão! Assim disse o
estudo: “Mesmo os indicadores do Brasil urbano são inferiores aos de
países como Jamaica, República Dominicana e aos Territórios Palestinos
Ocupados. Já o Brasil rural amarga índices africanos – o acesso a
saneamento adequado nessas regiões do país é inferior ao registrado
entre campesinos de nações imersas em conflitos internos, como Sudão e
Afeganistão”.
Vamos ao significado disso: 53% dos brasileiros não contam com
saneamento básico – e, no ritmo histórico dos investimentos, apenas o
receberão no distante ano de 2122. Até lá, quantos outros filmes de
terror assistiremos na vida real? Enquanto isso, a cada ano a União, os
estados e municípios gastam em torno de R$ 1 bilhão só com propaganda –
imagine os gastos com desperdícios e corrupção! Se o Morro do Bumba
tivesse sido aquinhoado com pelo menos uma parte dessas verbas, muitos
irmãos nossos ainda estariam vivos.
Diante das cenas pavorosas dos corpos mergulhados na lama, esta é uma
realidade que choca. Porém ainda mais agudo é considerar que, a cada
mês, 600 crianças brasileiras perdem a vida por conta do mesmo problema:
a falta de saneamento básico! São três Morros do Bumba por mês! Ou,
para alguns compreenderem, o equivalente a três aviões Boeing lotados de
crianças caindo por mês! E que diferença faz um avião: se três deles
caíssem a cada mês aqui no Brasil, um escândalo teria se instalado,
prisões teriam sido decretadas etc.
Mas, como todas estas mortes acontecem silenciosamente pelas favelas
miseráveis do Brasil, tão bem representadas pelo Morro do Bumba, fica
tudo por isso mesmo – aos poucos a vida vai voltando a uma “normalidade”
absurda que só a crueldade e a indiferença explicam. O pior é que neste
processo as vítimas viram culpadas – afinal, quem mandou elas irem
morar nos morros? Sim, aqui no Brasil vítimas são sempre culpadas! As
vítimas de crimes “deram bobeira”, as de acidentes de trânsito causados
pelas vergonhosas estradas brasileiras “foram imprudentes”, as da
corrupção “votaram mal”, e por este cínico caminho seguimos!
Tudo isto me faz recordar uma célebre entrevista feita com Margareth
Thatcher, então primeira-ministra do Reino Unido, por ocasião dos 200
anos da Revolução Francesa. Perguntada sobre o que havia a celebrar, ela
respondeu: “Nada. Só o que mudou é que após a Revolução Francesa a
patuléia passou a chamar-se povo”.
Por:Pedro Valls Feu Rosa, Via: Congresso em Foco
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