A imprensa brasileira funciona como um partido de oposição, mais
eficiente, estruturado, coeso e determinado do que as agremiações
políticas oficiais.
Por: Luciano Martins Costa
Mas não se trata de um partido de oposição à aliança que governa o
Brasil desde 2003: é uma organização política que em muitos aspectos se
assemelha ao “Tea Party” americano, ou seja, um sistema estruturante do
pensamento mais conservador que frequenta o espaço público.
Se o governo federal estivesse nas mãos do PSDB, e este atuasse como
um partido socialdemocrata nos moldes europeus, a imprensa teria uma
atitude semelhante, de oposição.
As evidências do comportamento enviesado da mídia tradicional, aquela
que domina a agenda institucional e serve à indústria cultural, são
muitas e foram consolidadas paralelamente a um processo de
empobrecimento da atividade jornalística nas últimas décadas.
O processo é longo, foi marcado por disputas cruentas no interior das
redações no período imediatamente posterior à redemocratização, e
afinal vencido pelo conservadorismo no início deste século.
O fato de o Partido dos Trabalhadores ter alcançado o poder federal
na mesma época é daquelas ironias da história observadas pelo
historiador Isaac Deutscher ao analisar o comunismo dos anos 1960.
A controvérsia em torno desse comportamento da imprensa se sustenta
precariamente no fato de que a maioria dos analistas se prende à relação
entre os principais veículos de informação e o núcleo de poder ligado
ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Um operário na Presidência significou, para as famílias que ainda
controlam as empresas de comunicação, uma ofensa tão grande quanto tem
sido, para a elite conservadora dos Estados Unidos, a ascensão de um
negro ao cargo mais alto daquela nação.
Essa relação de ódio e negação se estende por tudo que estiver ligado
a esse evento histórico: o fato de a democracia brasileira ter evoluído
ao ponto de eleger presidente um operário com pouca educação formal.
Não é o PT que a imprensa odeia e despreza: é o processo democrático, que permitiu essa “aberração”.
Não por acaso, os leitores típicos dos jornais e de publicações
como Veja e Época manifestam costumeiramente sua baixa apreciação pelo
“povo” e sua capacidade de discernimento, como se pode observar nas
seções de cartas e comentários.
Jornalismo em crise
Criticar a imprensa, denunciando o jornalismo partidário, é na
verdade uma demonstração de respeito ao jornalismo e à imprensa, como
ela deveria ser.
Defender a imprensa como ela é e conformar-se com o jornalismo de
quinta categoria que tem sido imposto aos brasileiros, de forma geral, é
sintoma de alienação, ou, pior, recurso de malabarismo intelectual para
preservar a reputação sem cair no index do sistema da mídia.
Louve-se: é preciso muito jogo de cintura para salvar a ficção da objetividade sem ter as portas fechadas pelas redações.
No entanto, chegamos ao ponto em que não há subterfúgios, pois a escolha
da imprensa hegemônica está destruindo o jornalismo de qualidade no
Brasil.
Concretamente, o jornalismo brasileiro é pior, hoje, do que há vinte anos?
A resposta é: sim, piorou não apenas a qualidade do jornalismo no
Brasil, mas também a qualificação dos jornalistas, de modo geral, e a
própria noção do valor social da atividade jornalística.
Uma pesquisa coordenada pela professora Roseli Fígaro na USP constatou essa realidade (ver resenha do livro aqui): o jornalismo brasileiro está imerso em profunda crise.
Um artigo publicado na quinta-feira (02/01) pela Agência Fapesp (ver aqui) atualiza alguns aspectos desse estudo.
O texto afirma explicitamente que “os produtos jornalísticos
impressos, televisivos ou radiofônicos são feitos de maneira
completamente diferente do que há cerca de vinte anos”.
A mudança foi para pior, segundo a pesquisa, provocada principalmente
por uma reestruturação produtiva nas redações, com o aumento do número
de jornalistas sem registro profissional e o afastamento dos
profissionais mais experientes.
A desconstrução do jornalismo foi feita pedra por pedra, e não é
apenas fenômeno causado pelas novas tecnologias de comunicação, mas por
uma escolha estratégica das empresas.
Trata-se de um processo que corre paralelo ao projeto conservador de
poder, que, não podendo eventualmente ser realizado pelas vias
partidárias, porque o eleitorado parece rejeitar suas propostas, passa a
atuar pelo sistema da mídia.
Simples assim.
Por: Luciano Martins Costa, Via: Viomundo
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