Um
relatório da ONG Oxfam, publicado na segunda-feira, estima que as 85 pessoas
mais ricas do planeta ganham o equivalente às 3,5 bilhões mais pobres.
No Fórum
Econômico Mundial de Davos - que nesta semana congrega políticos, empresários e
personalidades com um volume de negócios equivalente a quase a metade do PIB
americano -, a desigualdade foi identificada como uma das principais ameaças à
economia mundial.
Mas,
ainda que todos concordem com a gravidade do problema, haverá esforços para
solucioná-lo?
Nos
últimos 30 anos, segundo a Oxfam, o 1% mais rico da população passou a
abocanhar renda ainda maior, em 24 dos 26 países que forneceram dados sobre o
período. O Brasil é citado como um dos poucos países onde a desigualdade está
diminuindo.
Nos EUA,
em 1978, um salário anual médio equivalia a US$ 48 mil (em valores atuais), e
1% da população ganhava US$ 390 mil. Em 2010, o salário médio caiu para US$ 33
mil, enquanto 1% da população ganhava mais de US$ 1 milhão.
O período
coincide com a hegemonia da crença neoliberal promovida entre os anos 70 e 80
por políticos como Augusto Pinochet, no Chile, Ronald Reagan, nos EUA, Margaret
Thatcher, no Reino Unido.
A
ideologia, que emergiu triunfante com a queda do Muro de Berlim, prega
regulação mínima do Estado sobre a atividade econômica, liberdade absoluta ao
mercado e redução dos impostos aos mais ricos, a fim de promover o crescimento
econômico.
A Oxfam
defende iniciativas que vão na direção oposta: "É preciso um combate
global à evasão a paraísos fiscais. Um sistema de impostos progressivo. Um
salário digno", disse à BBC Mundo Ricardo Fuentes-Nieva, chefe de
pesquisas do órgão.
Estados
costumam ser as únicas entidades capazes de intervir significativamente na
redução da desigualdade em nível nacional, mas, para tal, necessita de dinheiro
para financiar investimentos em saúde, emprego, educação ou previdência social.
Distorções
Nas
últimas décadas, a elite mundial contribuiu decisivamente para o
"desfinanciamento" estatal: segundo o Tax Policy Center, dos EUA,
desde a década de 1970, a carga de impostos caiu para os mais ricos em 29 dos
30 países nos quais há dados disponíveis.
No mesmo
período, o número de paraísos fiscais alcançou 50 a 60 jurisdições, que,
segundo cálculo da revista The Economist, são o destino do equivalente a
quase o dobro do PIB dos EUA.
O diretor
da ONG Tax Justice Internacional, John Christensen, ilustra o impacto dos
paraísos fiscais.
"No
âmbito de indivíduos, a perda em receita fiscal é de cerca de US$ 225 bilhões.
Em âmbito corporativo, ocorre uma distorção de preços. (Multinacionais) pagam
pouco ou nada (para manter o dinheiro) no paraíso fiscal e, no país de origem,
pagam menos do que deveriam porque seus ganhos ficam muito abaixo da
realidade", afirmou à BBC Mundo.
Renda
total dos 3,5 bilhões mais pobres equivale à das 85 pessoas mais ricas do mundo
Isso
provoca distorções tragicômicas. Um único edifício nas ilhas Cayman, chamado de
Ugland House, é a sede oficial de 18 mil empresas.
Nos
Estados Unidos, Delaware, cuja população não chega a 1 milhão de pessoas,
existem 945 mil empresas, mas de uma por cabeça.
E o
Google faturou US$ 5 bilhões no Reino Unido em 2012, mas praticamente não pagou
impostos por isso.
Políticas
A
globalização financeira, a desregulação e a capacidade de mover a produção de
um país a outro converteram esse poder econômico em uma força capaz de dobrar
governos.
"A
elite mundial está impondo políticas de Estado que lhes favoreçam", opinou
Ricardo Fuentes-Nieva. "Isso produz uma 'deslegitimação' da democracia e
do Estado."
O
relatório da Oxfam diz que, em pesquisas conduzidas em seis países - Brasil,
Espanha, Índia, África do Sul, Reino Unido e EUA -, a maioria dos entrevistados
opinou que as leis tendem a favorecer os mais ricos.
A ONG fez
um chamado por mais responsabilidade à elite global - chamado que, segundo
Fontes-Nieva, pode ter mais apelo por conta da profundidade e da extensão de
potenciais turbulências globais.
"Estamos
ante um perigo de ruptura do contrato social. Desta vez, o conjunto da
sociedade, inclusive a classe média, se vê afetada. Precisamos lembrar que
tratam-se de políticas públicas que podem ser mudadas. Se não forem, o impacto
prejudicará as próprias elites, porque a crescente exclusão de consumidores
pode acabar produzindo uma sociedade economicamente doente."
Sinais de
debilidade não faltam: segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o
desemprego mundial será de 6,1% neste ano, em comparação com 5,5% em 2008.
Entre os jovens, a taxa será de 13,1%.
Fonte: BBcBrasil
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