O ano começou com
a chegada em vigência da lei 12.846, cujo propósito é punir com rigor inédito
no Brasil executivos privados e organizações empresariais que, em total
detrimento da concorrência ética, corrompem servidores públicos. Já conhecida
como lei anticorrupção, amplia a responsabilidade além dos funcionários.
Pretende alcançar também eventuais ganhos ilícitos de empresas, que não mais
poderão alegar desconhecimento de pagamentos de propinas, sob quaisquer formas,
por seus empregados, investidores, fornecedores ou terceirizados. Por: Reinaldo Ramos
Comprovada a
corrupção ativa, aqui ou no exterior, as empresas, entre outras penalidades,
arcarão com o ressarcimento dos prejuízos ao Tesouro e vultosas multas. Que
podem chegar a várias dezenas de milhões de reais ou 20% de seu faturamento.
Além disso, as organizações ficam proibidas de se beneficiar de incentivos como
financiamentos públicos, isenções fiscais e quaisquer subsídios estatais por
não menos do que cinco anos.
Não me perguntem
se a lei vai pegar, como está pegando nos EUA. Não faço a mais pálida ideia!
Mas se pegar, não tenho dúvida: será um pega pra capar. Sobretudo porque
significará uma revolução cultural atlântica em corações e mentes inidôneas que
têm a certeza da impunidade desde mais de 500 anos. Ocorre que a nova lei tem
uma estratégia frequentemente muito eficaz: atingir os bolsos.
E para os
realistas de plantão – aos quais me incluo, claro – há um alento: legislações
semelhantes são uma tendência mundial irreversível. Aplicadas com êxito, tudo
indica. A ponto de Allen Morrison, diretor do respeitado Centro de Gestão
Global da Escola de Negócios suíça IMD, declarar à revista Exame:
“o mau caráter é pior que um incompetente”.
Sabemos que, aqui,
a questão é muito mais cabeluda, tanto do lado jurídico como dos ventos da
governança organizacional. Com a palavra, portanto, os experts nesses campos,
gabaritados para esmiuçar as minudências da nova lei. O fato é que as
corporações, globais ou não, nitidamente vêm ampliando com rapidez suas áreas
de “compliance” na saudável busca de higidez em seus business.
Ou seja, na
hipótese otimista: empresas mais éticas = mercados com menos chance para a
sempre deletéria concorrência desleal. Uma transformação e tanto em se tratando
de Brasil. E com custo apreciável para treinar funcionários, averiguar
denúncias, monitorar parceiros… enfim, assegurar melhores práticas de negócios
dentro e fora de casa. Talvez mais barato, comparando com as consequências de
pagar propinas nos dígitos da planilha do Excel.
“Desvios
éticos podem destruir para sempre a imagem de uma empresa.” (Allen Morrison)
Há, entretanto, um
aspecto até aqui pouco analisado. Refiro-me aos impactos da lei sobre a
atividade de comunicação corporativa. No espírito da hipótese otimista,
suspeito que a relevância deste profissional crescerá consideravelmente com a
entrada em vigor da 12.846. Pra começo de reflexão, uma pergunta: você mentiria
em consulta médica ou, mais na mira, para seu advogado?
Pois é. Não raro,
por mais confiáveis que sejam aos olhos de seus empregadores ou clientes,
profissionais de comunicação corporativa deparam com mentiras ou omissões,
particularmente quando espocam os primeiros sons de uma baita crise no
horizonte. Só cabe, então, improvisar, seja na administração da crise ou na
contenção de danos. Exatamente o oposto de tudo o que é crucial fazer. Qual
seja, planejar estratégias preventivas, idealizar planos de ações, diagnosticar
cenários… Para isso, contudo, necessitam de todas – enfatizo, todas – as
informações, matéria-prima inseparável do métier.
Lembro-me de um
caso em que se viu involuntariamente envolvido profissional altamente
qualificado em comunicação corporativa. Iniciou a carreira como jornalista –
jornalista chato, diga-se (ops, pleonasmo: se não for chato, não é jornalista).
Alcançou elevado cargo executivo em empresa líder mundial de seu segmento.
Surpreendido com informação que era, para usar o termo apropriado à ocasião,
nitroglicerina pura, perguntou ao presidente da empresa o porquê de não ter
sido inteirado da falcatrua. A resposta: “se vira”. Fez o que achou
que devia. Demitiu-se.
Retomo a alusão
aos advogados. Diante de cliente que terá de defender, necessita de todos os
fatos. Devidamente inteirado, pode aceitar ou recusar o caso. Mas, como um
médico ou um padre, por dever do ofício terá de manter o sigilo profissional,
qualquer que seja sua escolha.
Em face da nova
lei anticorrupção, penso que a analogia dos profissionais de comunicação
corporativa com os operadores do Direito não é de todo disparatada. Mesmo em um
mercado extremamente competitivo, predatório até, creio que ficar ao lado da
ética – e sigilo profissional é intrínseco a ela – acabará se tornando
diferencial qualitativo na atividade.
Agora, mesmo sem
ser exatamente especialista em Direito Canônico (muito ao contrário), acho que
se você, embora sabendo de escabrosas transações, aceitar o emprego ou o
cliente, aí, colega, só me resta ir no popular: ajoelhou, tem de rezar.
Por: Reinaldo
Ramos é jornalista
especializado em negócios e economia e diretor da RR Comunicação Corporativa –
e-mail: marrano1@terra.com.br
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