Fred era um ser estranho. Ele se sentia estranho. Por todos os
lugares que passava se via como um estranho. Os lugares onde estava eram
estranhos. O mundo era estranho para ele. Desde criança, quando saia da
escola e vinha sozinho andando para casa percebia que era um estranho.
Na família começou a notar que era diferente. Por muito tempo não teve
amigos, apenas alguns colegas.
Por: Ricardo Hirata Ferreira
Passou sua adolescência escondendo seus sentimentos. Fingia quem não
era e por isso se achava mais estranho ainda. Vivia escondido, sendo o
que não era, sendo o que os outros queriam que ele fosse. O silêncio era
melhor, apenas ouvia, e muitas vezes ouvia o que não queria ouvir.
Quando faziam brincadeiras com seus segredos, Fred se sentia
envergonhado, triste e confusamente estranho.
E por muito tempo ele achava que era apenas o único estranho naquele
mundo, depois de muito procurar e desejar, encontrou outros estranhos no
mundo. Quando viu que não era o único estranho conseguiu sorrir,
dançar, fazer amizades e até amar. Viveu acreditanto por um tempo não
ser mais um estrannho. Até que o tempo passou e todos aqueles que
pareciam não ser estranhos, tornaram-se estranhos para ele e foram
embora de uma maneira estranha de sua vida.
Mas em meio aos estranhos, encontrou um que parecia não ser estranho,
dizia estar apaixonado por ele, viveram felizes por alguns anos,
pareciam ser dois em um. Caminhavam juntos, comiam juntos, estudavam
juntos, dormiam juntos, conversarvam juntos e falavam de coisas que não
mais eram estranhas. Mas com o tempo e em apenas um dia tudo voltou a
ser estranho novamente, e aquele que parecia não ser estranho, também se
tornou o ser mais estranho de todos.
Com o passar dos anos, os momentos voltaram a ser estranhos
novamente, só que agora com mais intensidade. As ruas que pareciam
familiares eram estranhas, a terra natal se tornou estranha, as pessoas a
sua volta mais estranhas ainda. Conversar era estranho, dizer algo
passou a ser estranho. A vida tornou-se completamente estranha. Os
sonhos eram estranhos. O dia era estranho. O tempo tornou-se estranho.
Mesmo assim, novos lugares estranhos continuaram a surgir na sua
vida estranha. Outras pessoas estranhas apareceram e a razão de exisitir
lhe era completamente estranha. Não sabia por que estava nesta condição
estranha. Não entendia porque seus pesamentos muitas vezes eram
estranhos. Por mais que tentasse não conseguia deixar de ser estranho,
tinha dúvidas se o tratavam como um estranho.
Mesmo assim ele prosseguiu por caminhos que eram estranhos. Como um
estranho, ele despertava desconfiança, afinal quem é esse cara que tem
um comportamento tão estranho, comentavam as pessoas.
Por alguns
momentos tudo o que era estranho o fascinava. Mas aos poucos o fascínio
pelo estranho tornou-se indecifrável. Fred achava tão estranho as
pessoas se relacionarem de maneira falsa, se amarem de maneira estranha e
de viverem sem se acharem estranhos.
Por um tempo pensou que não era daqui, estava aqui por algum engano, e
que talvez fosse de um outro lugar, mas quem garante que este lugar da
onde viera também não era estranho.
Ainda hoje Fred caminha achando as coisas estranhas. Olha as
paisagens e as acha estranhas. Vê rostos estranhos. Sabe que o amor é
estranho e que o ódio também é estranho. Percebe que existe alguma coisa
estranha no ar. E o estranho é que parece que ninguém se acha estranho,
ou se acha, não fala, prefere esconder aquilo que é estranho no seu
mais íntimo ser. Mas o que é ser estranho hoje? O que foi estranho no
passado? E o futuro que aguarda Fred e a todos nós continuará sendo
estranho?
Por: Ricardo Hirata Ferreira é doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.
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