Por: Fernando Antônio Carneiro de Carvalho
O nióbio nos faz lembrar o deputado Enéas Carneiro, já falecido; e
talvez por sua figura intempestiva, folclórica e caricatural a denúncia
que ele fazia não foi levada a sério. Pelo menos até hoje nenhuma CPI,
nenhuma ação do Ministério Público, nenhuma iniciativa legal do
parlamento ou decreto presidencial, nada foi feito. Nem uma passeata
animada pelos Black Blocs. Os dados sobre o nióbio são estarrecedores.
Trata-se de um minério de importância estratégica internacional. O
nióbio é fundamental para a indústria de alta tecnologia. Necessitam de
nióbio: a indústria aeroespacial (foguetes); a indústria de armas
(mísseis e bombas inclusive atômicas); construção civil (o esqueleto
metálico das edificações); naval (lanchas, navios e submarinos);
medicina (próteses metálicas e tomógrafos); transportes terrestres
(automóveis e caminhões e até o trem bala); petroquímica (gasodutos e
tubulações de alta pressão); lentes telescópicas; lâminas de barbear;
fabricação de jóias; quaisquer produtos da indústria mecânica que exija
superligas, ligas supercondutoras, soldas, óxidos; sucroquímica
(catálise para a produção de biodiesel); lâmpadas de alta intensidade,
dispositivos eletrônicos, capacitores cerâmicos, sondas submarinas.
Resumindo: o que há de mais avançado em termos de indústria necessita de
nióbio. Isso porque o nióbio é uma espécie de “enzima” metálica que
confere ao aço e outros metais propriedades especiais: leveza, dureza,
supercondutibilidade, resistência à corrosão, a altas temperaturas e ao
tempo. Ou seja, a revolução industrial não chegaria ao ápice em que se
encontra sem o nióbio. As grandes potências incluem o nióbio entre os
metais com oferta crítica ou ameaçada. Em 2010, o portal Wikileaks
divulgou um documento do Departamento de Estado dos Estados Unidos que
colocava as reservas brasileiras de nióbio como de importância
estratégica para os Estados Unidos.
E o Brasil é praticamente o dono de todo o nióbio do mundo, 98,43%
das reservas do planeta são nossas, 1,11% do Canadá e 0,46% da
Austrália. Sendo o dono quase absoluto de um produto cobiçado pelos
países industrializados e dos que estão a caminho da industrialização o
que era de esperar que fosse feito? O que os árabes fizeram em relação
ao petróleo, criaram a OPEP com o objetivo de determinar a política
petrolífera dos países membros para o mercado internacional, controlar
volume de produção e preço tendo em vista seus interesses nacionais.
Qualquer papalvo além de criar uma organização semelhante para
administrar a exploração do nióbio de acordo com os interesses do país,
criaria também para o nióbio uma organização semelhante ao que a Embrapa
é para a agricultura. Uma empresa que se preocupasse com a cadeia
produtiva do nióbio, que relacionasse o nióbio ao desenvolvimento do
país.
Mas o Brasil não fez nada disso, e deixou o nióbio nas mãos de
interesses privados. No caso da principal empresa, a CBMM -Companhia
Brasileira de Mineração e Metalurgia, que explora a reserva de Araxá,
MG, pertence à família do banqueiro Moreira Salles associado a uma
multinacional, a Molycorp, do grupo Rockefeller. A outra reserva mineira
em Tapira está nas mãos da Anglo American e Banco Bozzano, Simonsen.
Outros banqueiros quiseram participar da boquinha. Fernando Henrique
Cardoso tentou privatizar a reserva de nióbio de São Gabriel da
Cachoeira, Amazonas, a preço de banana, mas foi impedido por uma ação
judicial (O Amazonas tem mais nióbio que Minas). Zé Dirceu, Delúbio e
Valério também conversaram com os Bancos Rural e BMG que também queriam
participar do butim. Marcos Valério não nos deixa mentir disse na CPI
dos Correios que “O dinheiro do Mensalão não é nada. O grosso do dinheiro vem do contrabando do nióbio”.
Consequentemente, o preço do nióbio é determinado por interesses
particulares e estrangeiros. A bolsa de Londres é a atravessadora e
vende o nióbio brasileiro para a China e Irã (nióbio é vital para a
indústria nuclear).
Para que o Brasil tenha se comportado como um idiota em relação ao
nióbio foi preciso que fosse persuadido de que estava agindo
corretamente. E até intelectuais responsáveis contribuem para isso. O
físico Rogério César Cerqueira Leite escreveu um artigo publicado na Folha de S Paulo de 01/01/2006, intitulado “O nióbio e o besteirol nacionalista”
onde diz que o fato de o Brasil dominar o mercado mundial é mais um
obstáculo que uma vantagem porque isso incomoda os países importadores
que ficam em uma situação de dependência exagerada de um único
fornecedor. Não dá nem para comentar tamanha postura de submissão
colonial. Cerqueira Leite ridicularizou também as denúncias de que está
havendo contrabando de nióbio argumentando que do jeito que é difícil se
contrabandear pequenas quantidades de drogas, contrabandear um minério é
muito mais difícil. Mas a vida já se encarregou de demonstrar o quão
ingênuo é o senhor Leite. Todo mundo sabe que o mafioso Roberto Panunzi
enviava todo mês duas toneladas de cocaína da América do Sul para a
Europa. Além do mais o contrabando de nióbio não precisa ser feito por
garimpeiros anônimos nas fronteiras de Roraima com a Venezuela e Guiana.
É feito legalmente, por meio de subfaturamento, através de uma parceria
entre a CBMM e a Codemig, o Ministério Público estadual mineiro já
investigou esse caso. Já Elmer Prata Salomão, da ABPM -Associação
Brasileira de Pesquisa Mineral, diz que um aumento do preço do nióbio
teria consequências funestas. Segundo ele nosso nióbio tem um preço
“praticamente imbatível”. Se o Brasil fosse o acionista majoritário da
Associação dos Países Exportadores de Nióbio (OPEN), o preço imbatível
do nióbio seria aquele preço salgado o suficiente para ao mesmo tempo
trazer divisas para nosso país e impedir as grandes potências de
comprarem nosso nióbio com o fim de armazená-lo em seus territórios. Já
temos em nossa história o precedente do manganês do Amapá. O manganês da
Serra do Navio foi levado de navio para o exterior e no lugar da Serra
do Navio restou um grande buraco. O mesmo destino está previsto para o
nosso nióbio se nada for feito para mudar a atual situação. Os
vendilhões do templo que são ao mesmo tempo formadores de opinião fazem
ameaças ao dizer que se o preço do nióbio subir os importadores partirão
para o uso de metais que substituam o nióbio como vanádio, tântalo e
titânio. A verdade é o contrário, o nióbio é que substituiu com vantagem
metais como o molibdênio, vanádio, cromo, cobre e titânio.
O senhor Salomão tem uma teoria arrojada para que nosso nióbio seja vendido barato. Segundo ele “A idade da pedra não acabou por causa da pedra, mas porque a pedra foi substituída por outra coisa”.
Como o valor do nióbio se deve ao seu papel na industria mecânica de
alta tecnologia, acho que Salomão está insinuando que devemos vender
barato nosso nióbio porque de uma hora pra outra do jeito que a pedra
ficou obsoleta o metal também pode ficar e não teremos mais para quem
vender nosso nióbio. Fico pensando numa provável revolução que torne o
aço obsoleto. Quem sabe um polímero de sacarose substitua o aço, as
máquinas passariam a ser feitas de açúcar e não de aço.
O nióbio é um tema quase desconhecido porque é muito recente. Foi
durante a ditadura de 64 que veio ao Brasil o almirante Arthur Radford,
agente do imperialismo americano, requisitar o banqueiro brasileiro
Walther Moreira Salles para a tarefa de ser o “laranja” de interesses
americanos no Brasil. O banqueiro que nunca na vida tinha ouvido falar
em nióbio aceitou o papel e hoje, cinquenta anos depois, 70% do nióbio
puro brasileiro vai para os Estados Unidos. Os quatros filhotes do
banqueiro acabaram de vender 30% de todo o nióbio do mundo para empresas
asiáticas pela bagatela de US$ 4 bilhões. Mas as principais reservas de
nióbio do país encontram-se na Amazônia, no Morro dos Seis Lagos, em
São Gabriel da Cachoeira, Amazonas. Raposa Serra do Sol, Roraima. Sendo
essa a principal razão dessa confusão em torno da demarcação das terras
dos índios. Há quem diga que a Funai está envolvida no contrabando de
nióbio. Estão avaliadas em um trilhão de dólares, embora FHC tenha
tentado vender por 600 mil reais. Para sorte do povo brasileiro o
Ministro do Exército do próprio FHC, Zenildo Gonzaga Zoroastro de
Lucena, impediu a privatização tucana dessas reservas de nióbio. Lucena
garantiu até militarmente a posse dessas reservas transferindo uma
brigada militar de Niterói para São Gabriel da Cachoeira. Uma coisa que o
povo brasileiro precisa observar é se nesses “megaprojetos” da Amazônia
não servem de pretexto para o contrabando de nióbio, minerais raros,
ouro e urânio.
Por:Fernando Antônio Carneiro de Carvalho é historiador, formado pela Universidade Federal Fluminense, autor do livro “Açúcar, o perigo doce”./debatesculturais.com.br
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