Nosso maior desafio é superarmos a nós mesmo

     Por: Kadu Santoro
O maior desafio enfrentado pelo ser humano é superar-se a si mesmo. Não viemos para o mundo para confrontarmos com o nosso próximo, e sim, vencermos a nós mesmos. Somos o nosso próprio cárcere, e o nosso maior inimigo é o nosso ego, esse que nos controla o tempo inteiro, nos colocando em situações de angústia, tristeza e sofrimento, tudo isso fruto do desejo. Somos o maior vilão de nós mesmos, e a tarefa de nos superar é árdua e demorada, pode levar uma vida inteira e mesmo assim é muito comum não conseguirmos dominar nossos extintos.

Todo sofrimento é fruto da necessidade que temos de tentar controlar as coisas, porém, o mais difícil é controlar os impulsos do ego, esse que nos leva por muitas vezes a cometer atos insanos que acabam produzindo muitos sofrimentos. Essa é mais dura realidade, sermos escravos de nós mesmos. O sofrimento é causado pela tensão dual e contínua entre bem e mal, como disse Hermes Trismegisto em seu livro Do castigo da alma“O homem pensa que sua felicidade reside nos dons deste mundo e que eles subsistirão eternamente, quando, de fato, eles desaparecem nas transformações do bem e do mal.”


No mundo de hoje, mais do que nunca, o desejo e as paixões tem levado milhares de pessoas a viverem em profundo estado de dor e sofrimento interior. O apelo excessivo ao consumo, aos hábitos e costumes impostos pela sociedade, os padrões pré estabelecidos de beleza e comportamento, as exigências cada vez maiores do mercado de trabalho, aliados ao egoísmo e a ganância, tem contribuído para o crescimento significativo desse sofrimento interior. Milhares de pessoas estão vivendo com muitas dores interiores, marcas profundas na alma, escravizadas pela mente manipuladora e obsessiva coletiva do sistema, fazendo com que esses fiquem cada vez mais solitários, tristes e sem esperanças, chegando ao desespero.

É uma luta, onde o grande rival que precisamos vencer, não é ninguém mais do que nós mesmos. É preciso ir para o deserto, lugar de mais profunda aridez para que então possamos tentar vencer todas as tentações lançadas pelo famigerado ego. As nossas armas e mecanismos de defesa também encontram-se dentro da gente, porém parece que nunca conseguimos colocar em prática. O processo para a libertação é longo e lento, e precisa de muita paciência, resignação e confiança, pois o caminho da senda interior é repleto de espinhos e esses vão nos fazendo desanimar em função das dores que nos atinge constantemente.

Como podemos nos libertar do nosso ego e suas artimanhas? Será que é possível sermos felizes e livres dos impulsos dos desejos e paixões? Essas são algumas perguntas que estão nas bocas da totalidade dos seres humanos, e que trazem muita angústia para acharem uma resposta satisfatória. Parece que nenhum esforço, seja ele psicológico, filosófico ou religioso consiga nos trazer algum alento e saída para a nossa libertação interior. Quanto mais mergulhamos no conhecimento mais sofremos por ele. Vivemos como em um beco sem saída, onde parece que a única coisa que podemos fazer é ficarmos parados e tentar ao máximo não pensar nessas questões, fugir dos maus pensamentos, mas mesmo assim é extremamente difícil, quase impossível, pois somos seres sensoriais e pensantes, estamos em total interação com o mundo e todas as coisas, é uma condição de desespero como diz Sören Kierkegaard em seu livro O desespero humano: “O desespero inconsciente de ter um “eu” – o que é verdadeiro desespero; o desespero que não quer; e o desespero que quer ser ele mesmo.”

Todo o sofrimento que carregamos dentro de nós é alimentado por nós mesmos diariamente, estamos cativos dentro de nós, carregamos nossa cruz, ou seja, a nossa própria sentença, nossos pensamentos nos controlam através da mente, tentamos achar alívio, mas isso parece não durar por muito tempo, até porque quando conseguimos alguma alegria ou estado de felicidade, isso dura muito pouco, é passageiro como um estado de êxtase, e logo voltamos ao estado de sofrimento interior. Vivemos nessa alternância constante, sendo que a grande maioria do tempo é preenchida pela dor e sofrimento.

Poderia escrever aqui milhares de páginas que não seriam suficientes para relatar quantos filósofos e pensadores tentaram achar alguma solução para o sofrimento humano. E continuamos nessa busca de geração em geração e parece que cada vez o nó aperta mais, novas possibilidades acabam sendo frustradas diante da realidade fria e cruel da nossa própria existência, pois existe um grande abismo entre teoria e prática. Os sistemas de auto ajuda, as terapias, a espiritualidade e a religiosidade tem funcionado como meros paliativos diante do gigante que habita dentro de cada um de nós. Feliz daquele que consegue pelo menos por algum tempo se manter equilibrado e em paz dentro de algum sistema de crença, isso é ótimo, o problema é que esses mesmos sistemas possuem inúmeras controvérsias quando aprofundados.

Onde encontraremos a paz e a plenitude? O que devemos fazer para controlar nossos impulsos e não sermos mais escravizados por nós mesmos? Continuo perguntando e parece que essas perguntas não terão fim. Toda a tentativa parece em vão, podem ser coerentes em suas formulações, como falamos em desapego, pensamentos positivos, estado de não mente, purificação, etc. porém, isso não se sustenta por muito tempo na prática, até porque, se conseguirmos viver nos controlando e evitando as tentações, ainda assim estaremos aprisionados por nós mesmos, pelo nosso ego, limitados a um sistema de crença onde viveremos de forma rotineira uma pseudo condição de paz e liberdade.

Não existe nada que possa tirar ou aliviar nossa angústia existencial, nenhum bem material, riquezas ou qualquer outra coisa. Se não estamos bem conosco, não poderemos estar bem com mais ninguém, isso é terrível, pois através da nossa falta de paz interior, acabamos produzindo sofrimento exterior, isso que gera todos os conflitos interpessoais, onde as pessoas se entendem menos a cada dia, discórdias, contendas, invejas, frustrações, etc. Tudo isso é fruto da grande insatisfação que temos dentro de nós mesmos, da dor de sabermos que somos escravos da nossa mente e do nosso ego.

Parece que a única coisa que nos resta é convivermos com todo o nosso sofrimento, tentando a cada dia não olhar para os problemas que nos cercam, buscando alguma esperança de ordem sobrenatural, metafísica, onde isso ocupe nossa mente por algum tempo, acreditando que exista alguma “chance” de superação da nossa natureza humana. Acreditar é algo ruim, pois também gera ansiedade, nos coloca sempre em posição de espera, logo, é melhor tentar não pensar em nada, mesmo que isso também não resolva, porém, aliviaremos a nossa dor interior por algum tempo.

A ideia de Deus também por muitas vezes nos parece assustadora e contraditória, pois como pode uma entidade superior dotada de poderes infinitos permitir tanto sofrimento, ou pior, ele mesmo ser causa e consequência de toda essa condição miserável, como se ele mesmo seja escravo da realidade material, plasmado e aprisionado em cada um de nós, como diz na bíblia: “Eu formo a luz e crio trevas; faço a paz e crio o mal; Eu, o Senhor, faço todas estas coisas.”. Isaías 45.7. O discurso religioso parte do próprio homem, como Nietzsche disse: E o homem criou Deus a sua imagem e semelhança. Criamos atributos para Deus, qualidades pessoais, antropomorfismos. A filosofia também nos conduz a um beco sem saída, nos apresenta inúmeras formulações onde todas elas possuem seus argumentos contrários, nos levando até a loucura assim como a matemática em seus sistemas.

Diante de todo esse exercício de pensamento, sem a intenção de juntar ponto algum, abreviei apenas uma reflexão e deixo que cada um procure achar o caminho que lhe sirva melhor e caso consiga identificar uma solução ou caminho para o grande desafio de superarmos a nós mesmos, que seja apresentado não em teoria, mas posto em prática, para que isso sirva de aprendizado para muitos, pois diante de tanto sofrimento, a esperança se renova a cada dia e é apenas nessa condição de “acreditarmos” numa possibilidade que nos resta alguma chance de sermos felizes. O melhor que podemos fazer é vivenciar o AGORA, procurando não questionar nada, apenas desfrutando do poder da presença, essa condição de ser e não ser ao mesmo tempo.

Por: Kadu Santoro é teólogo consultor em espiritualidade, escritor, professor e pesquisador, residente na cidade do Rio de Janeiro, responsável pela publicação do Jornal Despertar, um informativo teológico e filosófico e do blogwww.jornaldespertar.blogspot.com.

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