Conturbação social, o Brasil passa por momento de incerteza que assombra a população

 Quase 30 anos depois do fim da ditadura militar, o Brasil volta a viver um cenário sombrio. Não há risco nenhum de um golpe de Estado, mas há contornos evidentes de um recrudescimento de ações e de ideias comuns àqueles anos de chumbo, com o apoio, ingênuo ou orquestrado, de parte significativa da sociedade brasileira – incluindo aí parcelas da mídia, quase todo o poder público e de instituições de classe.
 Por: Murilo Rocha
A cena do jovem negro nu, acusado de assalto, preso num poste de rua por um cadeado de bicicleta envolto em seu pescoço, a reação exaltada da jornalista na televisão – evocando um levante das “pessoas de bem” e ironizando os direitos humanos –, a retomada do Projeto de Lei do Senado (PLS) 499, tipificando o crime de terrorismo, não são atitudes nem respostas isoladas; fazem parte de um movimento único e recorrente, mesmo sem necessariamente estarem organizadas.


O ressurgimento desses comportamentos, eufemisticamente chamados de conservadores, tem como pano de fundo a falta de resposta de um modelo econômico e social às mazelas e contradições criadas por ele mesmo. É como se, diante da impossibilidade de resolver a violência cotidiana, a pobreza, a corrupção endêmica, o consumo cada vez maior de drogas, a falta de infraestrutura, educação e saúde perpetuados por sucessivos governos “democraticamente eleitos”, parte do país voltasse a culpar a população mais pobre ou os movimentos sociais pelos problemas. As tentativas de aumentar a repressão são, na verdade, tentativas de manter tudo como está, seja no nível político ou social.

LEI ANTITERRORISMO

Ao voltarem a debater a chamada lei antiterrorismo um dia depois da trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão na cabeça durante uma manifestação no Rio de Janeiro, os senadores, de forma eleitoreira e perigosa, mais uma vez jogam para a plateia.

O projeto 499 tem como principal objetivo – e se aprovado terá como principal consequência – reprimir protestos legais, como os realizados contra a Copa do Mundo. Além de ser uma sobreposição de leis já existentes, a proposta é genérica e ambígua, dando margens para enquadrar no crime de terrorismo até quem soltar um foguete depois de uma partida de futebol ou quem escrever um texto em defesa das manifestações de rua ocorridas no Brasil desde junho passado.

A volta à barbárie, o apelo à irracionalidade são tão explícitos que nem a comparação inevitável da imagem do jovem detido por “justiceiros” no Rio, na semana passada, aos quadros retratando escravos sendo punidos em praça pública no período colonial inibiu os apologistas de práticas como tortura, humilhação e covardia de exibirem suas opiniões, sob o argumento da liberdade de expressão. Cabe a quem não concorda com isso lutar, manifestar, mesmo sendo minoria, e correndo o risco de em alguns dias ser enquadrado como terrorista.

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