Diferença abissal fica patente quando se compara os
preços, por exemplo, no país e nos EUA, como no caso gritante do Playstation 4,
da Sony Por: Carlos
Alberto Teixeira
Brasileiro
paga caro por produtos que lá fora são bem mais em conta. Reprodução
A
discrepância de preços entre o Brasil e o exterior tem assustado e irritado o
consumidor nacional. Segundo o professor Fabiano S. Coelho — coordenador da FGV nas áreas
de formação de preços e gestão de custos e PhD em formação de preços — esta
diferença é tanta que, por exemplo, no caso do PS4, se o consumidor for aos
EUA, arcando com passagem, hotel, alimentação e outros pequenos gastos só para
comprar console, sairá mais em conta.
— Muitos
podem pensar que os altos impostos de importação e internos explicam esta
diferença, mas mesmos em produtos que não possuem nenhum ingrediente importado,
essa diferença existe. Exemplo é o índice Big Mac, que compara o preço do sanduíche
carro-chefe da rede de lanchonetes McDonald’s no mundo inteiro. Nos EUA, o
preço do Big Mac é US$ 4,56 enquanto no Brasil é 16% mais caro — conta Coelho.
De acordo
com o especialista, autor do livro “Formação Estratégica de Precificação”, diversos
itens podem explicar tal diferença:
■ Maior
poder aquisitivo da classe baixa — Nos últimos anos, 40 milhões de
brasileiros saíram da pobreza e outros 9 milhões saíram da classe C e subiram
para a B. São novos consumidores ávidos por produtos que não tinham condições
de comprar e sempre desejaram ter;
■ Histórico
de alta inflação — Até 1994, o Brasil viveu grande período de altos índices
inflacionários. Isso fez com que houvesse grande dificuldade por parte dos
clientes na avaliação de preços. Os referenciais ficaram comprometidos e as
pessoas sentiam-se perdidas já que os preços aumentavam todos os dias;
■ Baixa
taxa de poupança brasileira — O brasileiro consome muito e poupa pouco.
Enquanto aqui poupa-se 27% do que se ganha, a média da América Latina é de 39%.
Muito desse hábito remonta à época de alta inflação que assolava o Brasil na
década de 80;
■ Maior
disponibilidade de crédito — Incentivados pelo governo e interessados nessa
nova fatia da população, os bancos aumentaram significantemente a
disponibilidade de créditos, o que fez aumentar também a inadimplência;
■ Oferta
e procura — Com o aumento do consumo e do crédito, inúmeros produtos
naturalmente aumentaram de valor pela simples regra da oferta e da procura e
muitos clientes reposicionaram suas marcas para se destacar;
■ Custo
Brasil — O crescimento do PIB nos últimos anos deu-se basicamente a partir
do consumo interno e exportação de commodities. A produtividade das empresas
brasileiras ainda é baixa e faltam investimentos em diversas áreas como portos,
ferrovias, aeroportos, estradas, entre outros. Além disso, o spread bancário é
alto e a alta burocracia em diversos segmentos faz com que as empresas
necessitem de mais pessoas do que em outros países (por exemplo, na área
tributária) e mais tempo gasto de forma ineficiente (como o tempo necessário
para abrir uma empresa). A Amazon, por exemplo, passou por problemas sérios
para lançar o Kindle no Brasil por conta disso. O lote inicial ficou retido na
alfândega de Vitória (ES) aguardando liberação da Anatel e só pôde começar a
ser vendido duas semanas depois. Além disso, tiveram que contratar Welber
Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do governo Lula, para batalhar no
Congresso por um projeto de lei que, em nome da cultura, isenta o Kindle de
impostos — só que isto está se arrastando na Câmara;
■ Carga
tributária — O Brasil tem a 14ª mais alta carga tributária do mundo (36,2%
do PIB) e um sistema tributário complexo e engessado;
■ Alta
concentração e protecionismo brasileiro — Percebe-se que no Brasil a
concentração aumenta a cada instante. Inúmeras fusões e aquisições são
realizadas inclusive com apoio do Governo (desejando criar as “campeãs
nacionais”). De dezenove setores da economia, em quatorze houve aumento da
participação de mercado das quatro maiores empresas de cada segmento. Isso faz
com que abusos econômicos aconteçam. Além disso, por conta de inúmeros
problemas estruturais causados pelo custo Brasil e carga tributária, estas
empresas solicitam a cada dia que medidas governamentais sejam criadas para
protegê-las de mercadorias vindas do exterior, o que aumenta a ineficiência
interna.
■ Necessidade
da sociedade brasileira de autoafirmação — Percebe-se claramente na sociedade
brasileira a necessidade de expor sua condição social. No livro “O Teatro dos Vícios”, de Emanuel Araújo, o autor
exemplifica que, no século XVIII, muitos escravos, quando conseguiam comprar
sua liberdade, tratavam de adquirir escravos também para se afirmarem na
sociedade. Essa necessidade é a origem da compulsão por adquirir produtos de
marca , em que os compradores estão dispostos a pagar o que for para expor a todos
seus símbolos de status.
Este
aspecto, porém, evidencia apenas parte dos problemas. O preço referência
termina de explicar. Por anos, o Brasil ficou fechado ao mundo. Apenas no
Governo Collor houve maior incentivo para abertura do mercado nacional às
importações.
A magia
das marcas
Como era
uma época em que a qualidade dos produtos nacionais era duvidosa, criou-se a
referência de que tudo do exterior é intrinsecamente melhor do que o produto nacional.
Hoje, mais de vinte anos após esse processo, ainda existe a percepção, por
exemplo, que a qualidade do vinho chileno e argentino é bem superior à do
brasileiro — mesmo a indústria nacional tendo feito investimentos maciços em
qualidade, levando o vinho brasileiro a ser reconhecido por críticos nacionais
e internacionais, como Jancis Robinson, Steve Spurrier, Adam Strum, Charles
Metcalfe, entre outros.
Marcas
que no exterior são conhecidas como medianas — Victoria Secrets, Tommy
Hilfiger, Ralph Lauren, Honda etc.— são tratadas como marcas de grife no
Brasil.
— Assim,
as marcas nacionais se tornaram referência para as marcas estrangeiras entrarem
no Brasil. Para exemplificar, o Honda City (LX, motor 1.5, 115 cavalos e pneu
aro 15) é vendido no Brasil a R$ 60.500,00 enquanto no México (que importa o
carro da fábrica de Sumaré/SP) é vendido a R$ 36.000,007. No Brasil, 36% do
produto final de um carro são referentes a impostos, enquanto que no México
este percentual é de 18% — explica Coelho. — Ou seja, o preço no Brasil sem
impostos é R$ 38.720,00. Para o México, será considerado o valor de R$
27.220,00, sendo R$ 29.520,00 o valor efetivo sem os impostos (R$ 36.000,00 x
0,82) menos R$ 2.300,00 (valor estimado do custo existente de logística para se
levar o carro do Brasil ao México e o lucro da Honda Brasil ao vender para a
Honda México).
O
especialista observa: “Mas antes que se coloque a culpa nos gestores da Honda —
pela percepção que desejam apenas obter maior lucro no Brasil — imaginemos se
eles embutissem a mesma margem de lucro do México à taxa de impostos
brasileiros. Isso faria com que o preço aqui do Honda City fosse R$ 42.531,00
(R$ 27.220,00 embutindo-se a carga tributária brasileira de 36%)”.
—
Acontece que, no Brasil, o carro mil cilindradas cria o preço referência para
as outras montadoras. Dos carros mais baratos que o Brasil tem, destacam-se o
Ford Ká (motor 1.0, 68 cavalos e pneu aro 13, a partir de R$ 25.000,00), o Fiat
Novo Uno (motor 1.0, 73 cavalos e pneu aro 13, a partir de R$ 26.000,00) e o
Renault Clio (motor 1.0, 77 cavalos e pneu aro 13, a partir de R$ 24.000,00) —
exemplifica. — Se o carro mil cilindradas (sem nenhum opcional, itens de
segurança que o Honda City possui, conforto e outros artigos de qualidade) está
na faixa de R$ 25.000,00, então cobrar valor R$ 42.531,00 pode parecer
insuficiente frente a todos os diferenciais, isso explica porque a Honda acaba
cobrando valor bem superior ao praticado em outros países.
Até a
vodca...
Coelho
explica que, assim, algumas marcas estrangeiras acabam embutindo no preço o
chamado Lucro Brasil pela referencia que possuem dos produtos nacionais.
— Outro
exemplo típico é da vodca. Duas marcas são tidas como no mesmo nível de
qualidade na Europa: Smirnoff e Absolut. Entretanto, a Smirnoff chegou
oficialmente no Brasil em 1974. Já a Absolut apenas em 2000. Ao entrar no
Brasil, esta se posicionou com preço superior ao da Smirnoff, fazendo com que o
brasileiro percebesse este produto como de maior qualidade — relata.
De acordo
com Fabiano Coelho, “é importante entender esse fenômeno do Lucro Brasil por
conta das decisões governamentais. Muitas vezes, percebe-se tentativas do
Governo de conceder isenções fiscais, incentivos à indústria nacional e taxação
de produtos estrangeiros de forma a incentivar o consumo de produtos nacionais.
Só que o preço referência mostra que isso só fará aumentar o lucro dos
empresários e nunca baixará o preço efetivo do produto”.
— Existem
duas maneiras básicas de fazer os preços baixarem: aumentar competitividade e
concorrência, ou reduzir o preço do produto tido como referência — conclui.
Fonte:O Globo
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