Diz-se comumente que o erro na Medicina é o pior de todos, porque os
médicos lidam com a vida humana. Contudo, será que o erro judicial,
especialmente no direito penal, que resulta na prisão indevida, por anos
a fio, de um cidadão faminto, não está ceifando sua vida? Como
recuperar o tempo de flagrante injustiça, ao se prender alguém pelo
furto insignificante de um objeto não mais valioso do que uma margarina?
O Estado também não paga as indenizações em que é condenado pelo
fracasso do erro judicial. Por: Vinício Carrilho Martinez
Em todo caso, em alguns aspectos, o direito é fantástico, pois não
precisa ser gênio e nem graduado para entender o óbvio. Neste caso, o
custo processual, o dispêndio social e moral de se ter um preso por
ninharia é evidente. A obviedade indica que a relação custo/benefício
pende para um dos lados da balança. Qualquer pessoa esclarecida, com
juízo regular, deveria concordar que o bom senso deve prevalecer e,
neste caso, a prisão é ilegal, indevida, descabida.
Este tipo de conduta dos gestores públicos ou dos agentes do
Judiciário configura verdadeiro atentado ao bom senso. Por isso, o senso
comum consegue alcançar esta compreensão. Não é à toa que os mortais
mais comuns mantém uma desconfiança enorme quando se trata do Poder
Público no Brasil. Portanto, quando verificamos empiricamente que não
são poucos os casos de pessoas mantidas presas pelo furto de valores
insignificantes, outra conclusão possível é de que o Judiciário está
carente de méritos e de bom senso.
Uma pesquisa analisou processos do Supremo Tribunal Federal
(STF), entre 2005 e 2009, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), até
2011, e selecionou acórdãos em que o principio de insignificância foi
mencionado em alguma etapa do processo. O que resultou em 458 casos
analisados [...] De acordo com o coordenador do estudo e professor da
Faculdade de Direito (FD) da USP, Pierpaolo Cruz Bottini, o exemplo
clássico é quando alguém furta uma maçã na feira [...] Na pesquisa, este
tipo de caso e outros, como estelionato, foram classificados de “crime
contra o patrimônio”. Os dados mostram, no entanto, que no STF o
princípio de insignificância foi reconhecido em 52,2% desses casos,
enquanto que, no STJ, o tribunal aceitou o conceito em 71,3% dos
acórdãos. “O número de pessoas presas por furto hoje é muito grande”
[...] Mas o princípio de insignificância não serve apenas para crimes
contra o patrimônio. Outro caso em que o conceito pode e deve ser
aplicado é nos casos dos chamados “crimes contra a ordem econômica”,
como, por exemplo, nos casos de sonegação fiscal (Vide aqui).
O crime contra o patrimônio, sempre se soube, é mais grave do que o
crime contra a vida. Quase todos esperam décadas por um precatório, mas
dever trinta reais para o fisco é um crime contra o Estado.
Alguém pode dizer que sobrevive nas masmorras brasileiras e que se
ressocializa ao deixar o sistema? Aliás, se o cidadão furta um pacote de
pão ou margarina, para matar a fome, ele precisa entrar no sistema
prisional e depois se ressocializar? Não seria um pouco mais inteligente
matar a fome dessas pessoas e deixar o presídio para aqueles que não
suportam o convívio social?
Mais do que decorar o artigo da lei para ser aprovado em concurso,
especialmente se tratamos de uma lei caduca, o juiz deve exercitar a
sinapse social. Com casos assim uma última conclusão inicial aponta para
uma justiça insignificante, até mesmo prejudicial socialmente falando.
Nada dessocializa mais do que a injustiça.
Texto publicado no jornal eletrônico Gente de Opinião
Por: Vinício Carrilho Martinez é professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia – Departamento de Ciências Jurídicas. Doutor pela Universidade de São Paulo.
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