Redesenhando o social

     Por: Gaudêncio Torquato
“O sertão vai virar mar, dá no coração//o medo que algum dia o mar também vire sertão”. O refrão de “Sobradinho”, música de Sá e Guarabyra, tem sido referência das mais usadas para explicar transformações nas paisagens urbana e rural do país e até mudanças que se operam no próprio cotidiano dos brasileiros. Mas a profecia que dizia que o sertão ia alagar desviou o curso para outras direções, chegando às margens das metrópoles. Hoje, o bordão é outro: as periferias viram centros, e estes ganham jeito das margens periféricas.

O fato é que paradigmas estão sendo quebrados no habitat dos aglomerados metropolitanos. A modernização adentra as periferias, puxando uma locomotiva de novidades e amplificando as rotas de consumo, sobretudo em face da nova composição social, cuja classe média, que representa 54% da população, gastou no ano passado mais de R$ 1,17 trilhão, segundo dados da recente pesquisa Faces da Classe Média.

As periferias não devem ser mais caracterizadas pelo distanciamento “geométrico”. Tal reengenharia tem conexão com os grupamentos sociais que ascenderam na pirâmide sob o empuxo das políticas de distribuição de renda.


A dinâmica social e o processo de “desperiferização” sinalizam a ocorrência de fenômenos, alguns com forte impacto na frente política e, por conseguinte, no pleito eleitoral de outubro próximo. A melhoria de padrões de vida funciona como alavanca de ação, otimismo e esperança, despertando os valores do engajamento na vida social, observação mais atenta do processo político e acesso aos bens de consumo. Ora, sob tal hipótese, conclui-se que, também na esfera política, esse padrão de cidadão transparece na maior conscientização sobre os processos da política e os atores que entrarão no palco eleitoral. O voto, portanto, será mais racional.

CLAMOR DAS RUAS

Noutra frente, é possível distinguir traços que ligam o clamor das ruas aos contingentes que sobem a escada social. A rápida ascensão de 30 milhões de brasileiros ao meio da pirâmide, saindo da base, não ganhou correspondência nas frentes da infraestrutura social. Alguém poderá contra-argumentar: mas as periferias não assumem a forma dos centros e ganham estruturas de serviços? Esse é o nó da questão. As bordas estão se aparelhando, sim, mas a ação do Estado ainda é frágil. Não acompanha o ritmo das demandas.

Há, portanto, muita pólvora acumulada no arsenal das periferias em remodelação. A indignação é produto de carências. E acaba acendendo o pavio dos conflitos.

Dentro dessa configuração – periferias e classes médias – reside o fato novo: extraordinária força social centrípeta a fustigar os polos do poder. Que água não falte nas torneiras nem se apague a luz da sala de TV. Não vai adiantar apelo ao civismo pelo fato de o futebol sediar o maior evento esportivo do planeta.

Futebol e política são jogados em campos diferentes. Se algum candidato tentar engrupir, acabará levando cartão vermelho e voto contra.

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