Dado o declínio religioso na Europa, onde o ateísmo
tende a superar o cristianismo, seja o protestantismo no norte europeu, seja o
catolicismo no sul-mediterrâneo, Niall Ferguson (Civilização; 2012: 316)
pergunta: Por: Fernando Nogueira da Costa
- Será que, como próprio Max Weber havia previsto, o espírito do capitalismo estava fadado a destruir sua origem ética protestante, assim como o materialismo corrompeu o ascetismo original dos devotos?
- O que no desenvolvimento econômico foi hostil à fé religiosa?
- Foi a transformação do papel da mulher e a degradação da estrutura familiar, que também parece explicar a diminuição do tamanho das famílias e o declínio demográfico do Ocidente, a explicação para a descrença?
- Ou foi o conhecimento científico – a “desmitificação do mundo”, especialmente, pela Teoria da Evolução de Darwin – que falseou a história bíblica da criação divina?
- Foi a melhoria na expectativa de vida que tornou a vida após a morte um destino mais distante e menos alarmante?
- Foi o Estado de Bem-Estar Social, “um pastor secular” que cuida da população do berço ao túmulo?
- Ou será que o cristianismo europeu foi morto pela auto-obsessão crônica da cultura moderna?
Para Freud, a religião não poderia ser a força por
trás das conquistas da Civilização Ocidental porque era, essencialmente, uma
ilusão ou uma neurose universal, concebida para evitar que as pessoas
dessem vazão a seus instintos básicos, em particular, seus desejos sexuais
e impulsos violentos e destrutivos. Sem religião, haveria o caos, porque
não haveria a conformidade com a desigualdade social e/ou a linha de
produção alienante. A religião não só proibia a promiscuidade sexual e a
violência desenfreada. Também conciliava os homens com a crueldade do destino
mortal e os sofrimentos e as privações da vida cotidiana. Freud tinha pouca
esperança de que a humanidade pudesse se emancipar totalmente da religião,
menos ainda na Europa.
As religiões políticas totalitárias, como o
fascismo italiano, o nazismo alemão ou o stalinismo soviético, foram incapazes
de controlar os instintos primitivos descritos na Teoria da Religião de
Freud. A reação inicial face ao estupro e ao assassinato em massa, ocorridos na
II Guerra, foi restaurar a religião real para usar seus confortos
tradicionais na lamentação das violentações e dos mortos.
“Nos anos 60, entretanto, uma geração jovem demais
para se lembrar dos anos de genocídio e guerra total procurou uma nova saída
pós-cristã para seus desejos reprimidos. As próprias teorias de Freud, com
sua visão negativa da repressão e sua simpatia explícita pelo impulso
erótico, sem dúvida foram parcialmente responsáveis por incitar os
europeus a saírem das igrejas e entrarem nos sex shops” (2012: 318).
Os anos 1960 abriram caminho para uma
anticivilização pós-freudiana, caracterizada por uma celebração
hedonista dos prazeres individuais, uma rejeição da teologia em favor da
pornografia e uma renúncia da Paz virtual em favor de filmes e
videogames ultraviolentos. Ocorreu uma “banalização da guerra”.
Cabe o dualismo simplista para explicar uma
hipotética divisão da Civilização Ocidental a leste com uma Europa sem deus
e a oeste uma América temente a deus? Ferguson revela que nos Estados
Unidos todas as inúmeras igrejas estão envolvidas em uma competição acirrada
por almas. Antes, os indivíduos competiam uns com outros para mostrar quem
era verdadeiramente devoto. Hoje, a competição entre igrejas é tão intensa que
incorporaram uma mentalidade comercial para atrair e manter fiéis. O
Espírito Santo se mistura ao espírito do capitalismo quando passam as caixas de
coleta de dízimo ou esmola…
A principal diferença entre o protestantismo
europeu e o norte-americano é que, enquanto a Reforma foi nacionalizada na
Europa, com a criação de igrejas estatais, nos Estados Unidos sempre houve uma
separação estrita entre a religião e o Estado laico, permitindo uma competição
aberta entre várias seitas protestantes. Na visão neoliberal de Ferguson,
“essa talvez seja a melhor explicação para a estranha morte da religião na
Europa e seu vigor permanente nos Estados Unidos. Na religião, assim como
nos negócios, os monopólios estatais são ineficientes. (…) Em geral, a
competição entre seitas em um mercado religioso livre encoraja as inovações
concebidas para tornar mais gratificante a experiência do culto e da filiação à
igreja. É isto o que mantém viva a religião nos Estados Unidos”. Os
shoppings religiosos com shows de música (e consumismo alimentar) que dão
satisfação à comunidade!
O problema é que a transformação da religião em uma
satisfação na busca por lazer significa o afastamento dos norte-americanos
da versão weberiana da ética protestante em que a gratificação adiada era o
corolário da acumulação de capital. Ferguson acredita que “a redução da
poupança se revelou uma receita para crise financeira. (…) Foi uma crise
provocada no mundo ocidental em consequência do excesso de consumo e do excesso
de alavancagem financeira”.
Ferguson continua, assim, acreditando no mito da
Poupança, divulgado pela Economia Normativa Religiosa. Acha que “no Oriente
se poupa muito mais que no Ocidente. (…) O que é menos observável é que o
aumento da poupança e dos negócios na Ásia veio de mãos dadas com o efeito
colateral mais surpreendente da ocidentalização: o crescimento do
cristianismo, sobretudo, na China”.
Esse reducionismo é um absurdo, pois deixa em segundo plano a
execução de todos os planos estatais do Socialismo de Mercado! Ignora desde as
reformas de Deng Xiaoping até os investimentos diretos estrangeiros com
transferência de tecnologia como contrapartida do acesso ao gigantesco mercado
interno chinês! Além disso, na China, há larga predominância do ateísmo ou
do confucionismo face à pequena parcela da população protestante. The
World FactBook da CIA informa as seguintes religiões entre os 1.355.692.576
chineses: Budistas, 18.2%; Cristãos, 5.1%; Muslim 1.8%; Regionais < 1%;
Hindu < 1%; Judaica < 1%; outras, 0.7% (inclusive taoístas); não filiados
a nenhuma igreja: 52.2%, pois o Estado chinês é, oficialmente, ateísta.
Não. Nem os Estados Unidos entraram em crise por
excesso de crédito para satisfazer o consumismo, nem a China cresceu por
causa da religiosa poupança…
Por: Fernando Nogueira da Costa
é Professor Livre-Docente do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos
Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
0 Comentários