Por: Humberto Pinho da Silva
Entre os poucos amigos de meu pai, havia o Mário Macedo. O Mário, era
um jovem de vinte e poucos anos, magro, alto, bem-falante, e de
resposta pronta.
Certa ocasião veio a nossa casa, e como amigo que era, foi recebido
na pequena salinha, contigua à cozinha, onde tomávamos as refeições. As
cerimoniosas eram sempre encaminhadas para ampla sala, que ficava no
segundo andar, onde havia pesados reposteiros, móveis sisudos e bustos
de gesso, pousados em altas colunas, que primavam pela robustez.
Ora, dessa vez, o Mário, que era de conversa fácil, deslumbrou pela erudição.
Meu pai, estupefacto com tanta sabedoria, não se conteve e louvou o conhecimento, mormente a extraordinária memória:
- Não conhecia essa faceta. Você é jovem, mas demonstra cultura
invulgar, e capacidade de citar a propósito, pensamentos oportunos.
Dou-lhe os parabéns, e gabo-lhe a memória. A minha é de papel, e
vejo-me, muitas vezes, atrapalhado para encontrar fichas e recortes de
jornais, em desalinho.
Sorriu-se o maroto do Mário. Piscou os olhos gaiatos e a grandes
gestos, encarou meu pai, após circunvagar a vista pelos presentes, que
permaneciam de boca escancarada, perante novo Salomão. Exclamou a
risadas:
- O Senhor Pinho também pode fazer o que eu faço!…
- Como assim?! Explique-se?!
- É muito simples! Dantes, ao ter uma ideia, uma opinião, diziam: “ Estás a filosofar!”, “ Ainda não conheces a vida!”, “És muito novo! …”; ou então: “Nem parece teu! É uma criancice! Um disparate! …” Lembrei-me, então, recorrer a autoridades incontestáveis…”
- É muito simples! Dantes, ao ter uma ideia, uma opinião, diziam: “ Estás a filosofar!”, “ Ainda não conheces a vida!”, “És muito novo! …”; ou então: “Nem parece teu! É uma criancice! Um disparate! …” Lembrei-me, então, recorrer a autoridades incontestáveis…”
- E decorou reflexões de homens célebres para empregá-las no momento exacto. – Acrescentou meu Pai.
- Nada disso! – Retorquiu o jovem. – Quando surge a ideia, não digo
que é minha, mas de conhecido economista, famoso político ou intelectual
de renome, e o parecer é acatado e até louvado.
- A semana passada estive com o abade de*** Tinha lido, em
publicação religiosa, referências a Encíclicas e a teólogos famosos.
Colhi nomes e atirei opiniões minhas como fossem deles. O bom sacerdote,
entrado em anos, engolia em seco e assarapantado, dizia: “Está bem!
…Está bem! …; mas não se pode acreditar em tudo que os teólogos dizem…”
E rematou, com sonora e alegre gargalhada:
- Sabe, Senhor Pinho! Poucos são os que conhecem mais que nomes e
lombadas de livros…Depois, ninguém gosta de parecer ignorante! …
Blogue luso-brasileiro: “PAZ”
Por: Humberto Pinho da Silva nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA, e foi redactor do jornal: “NG”./debatesculturais.com.br
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