O passado, para as pessoas pragmáticas, as que têm como lema a
contínua ação, é uma inutilidade. Não serve para recuperar o tempo
perdido. Este é irrecuperável. O que se deixou de fazer, óbvio, nunca
mais será feito, não pelo menos naquele período específico em que
deveria sê-lo, mas não foi. Disso, creio, ninguém tem dúvidas, mesmo o
sujeito sonhador, que tenta, em vão, recuperar o que não se pode. Há
muita gente assim.
Por: Pedro J. Bondaczuk
O passado, então, não serve para nada? Tem que ser liminarmente
descartado e esquecido? Devemos tocar a bola para frente, buscando fazer
o máximo num mínimo de tempo? Eu não seria (nem sou) tão radical. No
sentido de ação, até concordo com os pragmáticos. Não conseguiremos,
jamais, reviver o que foi vivido (claro, se o que passou nos tenha sido
benéfico e memorável e seja, portanto, digno de ser revivido). Se você
quiser, porém, compreender sua vida e consertar eventuais erros que
cometeu lá atrás, terá, necessariamente, que a vislumbrar no conjunto. E
o passado, neste caso, precisa ser não somente lembrado, mas analisado,
revisto e esmiuçado.
Concordo com o filósofo e teólogo dinamarquês, Soren Kierkegaard, quando sentencia: “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente”.
Ou seja, você deve separar as coisas. Aliás, para ser uma pessoa
equilibrada, você não pode ser radical em praticamente nada. É
desejável, óbvio, que seja, sim, pragmático, mas sem se descuidar, em
circunstância alguma, da reflexão, do planejamento, da ponderação dos
prós e contras do que se propõe a realizar, sob risco de se tornar
dispersivo. Ou, pior, de em vez de construir o que quer que seja com
seus atos, destruir o que já existe de bom. E, para esse efeito, o
passado é bastante útil e não raro essencial..
O sujeito que é pragmático e leve o pragmatismo a extremos, no afã de
não desperdiçar tempo, recorre, frequentemente, à pressa. Mas é mais do
que meramente apressado. É afoito. O resultado, salvo alguma feliz (e
rara) exceção, finda por ser o oposto do pretendido. Deveria dar ouvidos
ao escritor e filósofo Gilbert Keith Chesterton, que observou: “Uma das grandes desvantagens de termos pressa é o tempo que isso nos faz perder”.
E como faz! No afã de chegar sem tardança ao objetivo, o apressado
comete erros e mais erros, tendo que refazer o que já fez, o que não
seria necessário se refletisse, se comparasse como agiram no passado
pessoas que executaram a mesma tarefa, quando não se recordasse como ele
próprio já agiu e foi bem-sucedido em ocasiões anteriores.
Está aí uma das utilidades práticas do passado. Há muitas outras, mas
cito apenas esta tendo em mente o sujeito pragmático, o homem de ação
que detesta perder tempo. No exemplo que mencionei, convenhamos, a
reflexão e o planejamento não são perdas de preciosos segundos (ou mesmo
que se trate de horas), mas se constituem em seu aproveitamento
racional. Temos o mau hábito de não valorizar as pequenas coisas,
achando que tudo na vida é feito de grandiosidade. Aliás, muito pelo
contrário. Claro que não defendo que concentremos toda nossa atenção em
uma formiguinha, sem atentarmos para o elefante, que finda por nos
atropelar. Não é isso.
Mas por causa de um reles arrebite defeituoso, um único e pequenino,
entre milhares de outros sem defeito, o navio que “não poderia afundar”,
o Titanic, naufragou. É com a soma de pequenas virtudes que construímos
um grande caráter. É com atos pequeninos, mas sempre constantes, que
elaboramos uma grande vida. Devemos atentar para a natureza que, como se
sabe, “nunca dá saltos”. Tudo nela tem uma sequência natural, lógica,
contínua, no tempo certo, sem retrocessos.
O criador do célebre personagem, o detetive Sherlock Holmes, e de seu
inseparável (e pragmático) parceiro, doutor Watson, o escritor inglês
Sir Arthur Conan Doyle, tinha ciência disso. E escreveu: “Há muito tempo que o meu axioma é de que as pequenas coisas são infinitamente mais importantes”.
Talvez o superlativo, neste caso, seja, digamos, um tanto exagerado.
Mas esse retórico exagero não faz as pequenas coisas serem menos
importantes do que são. E entre elas, o passado está incluído. Não é,
portanto, uma “inutilidade”, se considerado no devido contexto. Só não
pode ser supervalorizado, por razões óbvias. Por que? Ora, ora, ora,
porque não volta jamais.
Por: Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor, autor dos livros “Por uma nova utopia”, “Cronos e Narciso” e “O país da luz”.
E-mail: pedrojbk@bestway.com.br
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