Algumas pessoas têm expressado que vão torcer pela seleção brasileira
na Copa e que não vão se permitir reprimir. Esse tipo de comentário vem
se avolumando na internet e em nossas redes de relações. E é um tanto
surreal o fato de se chegar a quase pedir licença para apoiar a seleção
numa Copa do Mundo no chamado “país do futebol”.
Por: João Gualberto
Certamente não há espaço nem pretensão analítica de compreender o
fenômeno. Mas ele carece de reflexão. Se uma pessoa que gosta de
futebol, especialmente na Copa, diz que vai torcer apesar das
manifestações, é porque ela se sente reprimida. Primeiro, os torcedores
brasileiros – ou os estrangeiros – não são os alvos dos protestos, ao
contrário das autoridades públicas e privadas que organizaram e bancaram
o evento. Além disso, até que se saiba, nenhum foi vitimado em junho do
ano passado, durante a Copa das Confederações.
Daí que talvez seja exagerado alguém de camisa amarela temer ser
atacado por um compatriota vestido de preto que julga o primeiro um
imbecil alienado. Se um absurdo desses ocorrer, imbecil e alienado será o
segundo – uma hipótese que convém não descartar, aliás.
Mais do que causado por forças de fora, esse sentimento contrariado
pode ser mais fruto de uma autorrepressão. Torcer pela seleção em uma
Copa financiada por R$ 26 bilhões dos nossos bolsos pode ser uma ação
interpretada como idiotice, como falta de compreensão das dimensões
políticas e sociais envolvidas. É possível que tenhamos assimilado uma
parcela da indisposição geral quanto aos desmandos e às safadezas
ligados à competição. Então, é compreensível que exista o dilema entre
um lado racional/militante e outro tradicional/emotivo: torcer ou não
torcer.
PRESSÕES PSICOLÓGICAS
Quem superou essa fase das pressões psicológicas rivais e pretende
mesmo vestir a amarelinha e comprar bandeira pode se questionar: “o que
os outros vão pensar?”. A autorrepressão que eu sofro é a mesma do
amigo, do primo, do vizinho. Posso incentivá-los a se juntarem à
torcida, mas posso ainda sofrer uma rajada fulminante de canto de olho.
Quem poderia pensar que torcer pelo Brasil numa Copa fosse algo que
requeresse alguma dose de coragem?
Mas, e daí? Quem torce não necessariamente é desinformado ou teve seu
senso crítico embotado pela publicidade e pela TV Globo. Consciência
política e torcida de futebol podem coabitar um indivíduo, e cidadania é
algo que independe da cor da camisa e do gosto pelo futebol.
Será que só comemoram o título de 70 os mansos, os alienados e os
aliados de Médici? E os brasileiros que tinham alguma dimensão política
do que ocorria com o país naquele momento resistiram aos shows de Pelé,
Tostão, Rivelino e Carlos Alberto?
As pessoas se expressam hoje – dizendo que vão torcer ou que “não vai
ter Copa” – diferentemente do que podiam fazer há 44 anos. A democracia
permite esse tipo de autonomia, assim como garante o direito de se
manifestar na avenida. Tem mais: boa parte desse climão de repressão vai
derreter no primeiro gol do time do Felipão. Vai ter Copa sim, não tem
mais jeito. Torça quem quiser, e bola pra frente até outubro. Lá, sim, a
torcida será muito menos útil do que a consciência.
Fonte: Tribuna da Internet
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