Educação formal, informal e cidadania

Costuma-se distinguir a educação formal, oficialmente proporcionada nas escolas de vários níveis, da educação informal, que é oferecida pela família, pelos círculos de relacionamento social, pelas comunidades religiosas, pelos meios de comunicação social.

Por: Armando Alexandre dos Santos
No meu modo de entender, a educação informal e extra-oficial é mais importante, para a formação do senso crítico e, portanto, da chamada cidadania, do que a educação formal e estritamente curricular.

Há numerosos exemplos na História de pessoas simples, sem educação formal, que exerceram atividades políticas de grande alcance.

A democracia suíça, a dos velhos cantões medievais, constituiu-se, em larga medida, em sociedades camponesas, com pessoas rudes e pouco letradas, mas que souberam instituir um sistema admirável. Quando, na passagem do século XV para o XVI, a Confederação Helvética passou por grave crise e esteve a ponto de cindir-se numa guerra civil, ela foi salva por um grande estadista que era, paradoxalmente, um camponês semi-analfabeto: Nicolau de Flue.

Nicolau, que depois a Igreja Católica canonizou, era pai de 10 filhos e, tendo enviuvado, vivia retirado, em profunda oração, numa ermida. Seu prestígio moral era enorme em toda a velha Helvécia. No auge da crise, sem solução à vista, foram todos os contendores, “gregos” e “troianos”, procurá-lo à procura de uma saída que impedisse a guerra civil. E São Nicolau, o camponês iletrado, com uma habilidade e um tino diplomático extraordinários, conseguiu “costurar” um acordo que a todos satisfez e garantiu, à Suíça, séculos de ordem interna e estabilidade social e econômica. Durante algum tempo, São Nicolau chegou a presidir à Confederação Helvética e, depois, retornou à ermida, onde acabou os seus dias em oração e penitência. Ele é considerado, ao lado de Guilherme Tell, um grande herói nacional, um verdadeiro Pai da Pátria. Os descendentes deles, muito numerosos, foram guardas suíços do Papa e de várias monarquias europeias. De São Nicolau de Flue descende, através de 17 gerações, minha amiga Profa. Valdirene Ambiel, historiadora e arqueóloga que realizou o notável trabalho de identificação e análise dos restos mortais de D. Pedro I e das Imperatrizes D. Leopoldina e D. Amélia, conforme foi noticiado pela grande imprensa de todo o País. Dele também descende, em linha direta, meu amigo Prof. Luiz Fernando Amstalden, que escreve semanalmente, em dia fixo, nesta mesma página de “A Tribuna Piracicabana”.

No início do século XIX se destacou, no Tirol austríaco, a figura de outro camponês quase analfabeto, Andreas Hoffer, que organizou e comandou uma heroica resistência contra os exércitos napoleônicos, pondo-os em cheque. Treinou seus famosos atiradores tiroleses, que acertavam preferencialmente e aterrorizavam os oficiais franceses, libertou extensas áreas de sua região natal, administrou admiravelmente essas áreas como governador (inicialmente extra-oficial, depois oficializado pelo Arquiduque Johann von Habsburg, representante do Imperador da Áustria). Traído, foi aprisionado pelos franceses e fuzilado. É, também, um herói nacional, com sua memória até hoje reverenciada pelos austríacos em geral e, mais especialmente, pelos tiroleses.

Não vou multiplicar os exemplos estrangeiros. Consideremos concretamente o caso do Brasil. Nosso povo, mesmo com baixa escolaridade, tem impressionante capacidade de análise e julgamento, e muitas vezes considera com lucidez surpreendente graves problemas políticos de nível nacional e até internacional. Tive ocasião de mais de uma vez percorrer o sertão árido da Bahia, em viagem de estudos, e lá pude conversar longamente com pessoas sem nenhuma educação formal. Muitas lições recebi dessas pessoas, em sabedoria de vida e, também, em civismo e até em política. E, como eu, muitos outros brasileiros com títulos universitários por certo muito teriam a aprender com esses nossos compatriotas formalmente sem-educação…

O problema é que o sistema político-institucional vigente no Brasil republicano não permite que esse imenso potencial de civismo e participação política se manifeste e, realmente, influencie decisivamente o andamento da coisa-pública. E, assim, se perde.

Blogue luso-brasileiro: “PAZ”

*Armando Alexandre dos Santos é historiador, jornalista e diretor da Revista da Academia Piracicabana de Letras.

Postar um comentário

0 Comentários