Democracia: o abismo cresce

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Democracia é um regime potencialmente contraditório, posto que o povo é soberano, mas seus agentes, seus representantes, decidem por ele. Que soberania é essa?
O problema de perda de representação – ou do fazer-se representado “de facto” – existe em toda democracia contemporânea, em graus variados. Grandes massas de representados somadas a regras e práticas políticas que restringem a participação mais ampla são uma conjunção que leva, necessariamente, ao descolamento entre a população e os ocupantes dos cargos escolhidos por ela.
No Brasil, no entanto, um abismo se abriu e parece crescer. Para além da deslegitimação de uma maioria conquistada em votação, há diversas outras evidências disso. A relação entre governo e Congresso já é historicamente um tanto alheia aos representados, e, depois do apossamento pelo governo golpista, isso piorou. A Câmara aprovou em dois turnos, com maioria folgada, a PEC 241, a “PEC do Desestado”. A MP que trata da reformulação do ensino médio está encaminhada, e outras reformas de conjuntos de direitos estão a caminho. A camada de cima deu um basta e bradou que não vai mais financiar as possibilidades de ascensão social.
O parlamentar que, em campanha, promete atuar em favor de ampliar saúde e educação públicas representa esse povo ou apenas dissimula? Milhões foram às ruas de 2013 a 2015, uma presidente foi reeleita e deposta, e, ainda assim, partidos e seus chefes insistem no jogo.
O futuro do país se decide a canetadas, com duas décadas de congelamento de investimentos públicos, e tal gravidade é viabilizada da velha e corriqueira forma: carguinhos para cá, votinhos para lá; votinhos para lá, dinheirinho da próxima campanha para cá.
Nada menos do que mil escolas ocupadas no país contra a PEC e a MP do Ensino Médio, e daí? Aprovaram uma, aprovarão outra. Representam os estudantes (que, no ensino médio, já votam) deputados e senadores? Não! Representam, antes, os interesses de seus partidos e, quase sinonimamente a estes, os daqueles que os financiam.
Em época de campanha, como vimos até ontem, o eleitor também vem sendo ignorado, quando deveria ser tratado a pão de ló. Candidatos abdicam de conquistar votos por suas virtudes para amealhá-los explorando os supostos defeitos dos adversários. A troca de ataques joga um véu de ignorância sobre as demandas da população por políticas públicas.
O resultado desse jogo político-eleitoral apodrecido se faz mensurar nos crescentes índices de abstenção eleitoral: ontem, 23% em Belo Horizonte e 27% no Rio de Janeiro. Se um quarto do público obrigado a fazer algo não o faz, algum problema no cumprimento dessa obrigatoriedade existe. Seria o problema do desinteresse?
O mais preocupante é que, a cada sessão legislativa e a cada eleição, azeita-se uma máquina que retroalimenta os mecanismos de desinteresse e de elitização da política: quanto menos se quer e se busca informar e participar, mais a casta alta autointeressada se perpetua nos cargos de comando. O abismo só cresce. Até quando?
Fonte: Jornal O TEMPO

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