O açucar

Resultado de imagem para açucar fotosAçúcar faz mal?

Se um ‘plebiscito’ (está na moda) sobre essa pergunta fosse feito em nosso país, o que os consultados responderiam? As pessoas de modo geral admitem que o consumo de doces está relacionado às cáries, que engorda; uns podem até admitir que o consumo de açúcar pode estar relacionado com diabetes ou hiperatividade infantil. Mas as mesmas pessoas que admitem aprendem com os dentistas que “se escovar os dentes, usar fio dental, etc., as cáries não aparecem”; e com os médicos que “se consumir açúcar com moderação”, o açúcar não constitui problema. Ao lado disso o sal e a gordura são apresentados pela mídia como “venenos” tanto quanto o açúcar e até mais perigosos. Desses três elementos o sal e a gordura são alimentos. Já o açúcar (sacarose refinada) é um aditivo químico nocivo e esse estratagema de apresentar o açúcar ao lado do sal e da gordura como “vilões” surtiria tanto efeito quando um cartaz da polícia dizendo que Fernandinho Beira-mar, Jô Soares e Faustão são três bandidos perigosos. Tal cartaz não seria levado a sério pela população. Os demais venenos ambientais, os agrotóxicos, os hormônios, os raios infravermelhos do sol, o bisfenol dos copos plásticos e até as ondas dos celulares e dos fornos de microondas. Isso tudo termina funcionando como um green card para o açúcar Diante de tantos venenos perigosos o açúcar vira um “café pequeno”.
De modo que o açúcar encontra-se blindado por um conjunto de idéias, conceitos, pré-conceitos, imagens e sentimentos que funciona como um aparato ideológico que embaça a inteligência da população e impede-a de ver que está dormindo e acordando com o inimigo.
Um expediente usado pelos que querem despertar as pessoas para o perigo do consumo de açúcar é chamar atenção para a enorme quantidade de açúcar que estamos ingerindo. O brasileiro está consumindo mais de 60 quilos de açúcar a cada ano. Para se ter idéia, o consumo de feijão é pouco mais de 16 quilos e o de arroz 25 quilos, e o de peixe 8 quilos. Nós comemos mais açúcar puro que arroz, feijão e peixe juntos. Ainda para efeito de comparação o povo chinês consome menos de dez quilos por ano, e no coração da África tem país cujo consumo anual de açúcar não passa de meio quilo. Uma foto famosa que ilustra esse fato mostra um carrinho de mão abarrotado de açúcar. As pessoas até se assustam com essa informação e eventualmente exclamam: “Nossa! Eu estou comendo tudo isso de açúcar?!”.
Mas, infelizmente, essa informação não é suficiente para quebrar a blindagem que protege o açúcar. Por outro lado é bem verdade que enquanto obras que colocam o açúcar em xeque como o bestseller Sugar Blues de William Dufty alcançam um público de algumas centenas de milhares de pessoas, a Ana Maria Braga com suas receitas de guloseimas cheias de açúcar atinge dezenas de milhões.
Mas para o bem da humanidade a obra do jornalista William Dufty revelou-se seminal e encontrou continuadores. No Brasil inicialmente no livrinho de Sonia Hirsch: “Sem açúcar, com afeto”; no meu trabalho: “O livro negro do açúcar” (pdf grátis na internet e a versão “Açúcar o perigo doce” nas livrarias). E ainda para a sorte da humanidade os malefícios do açúcar chegou ao território da ciência médica. Aqui no Brasil, o médico otorrinolaringologista Yotaka Fukuda descobriu o papel do açúcar como causador de labirintite, vertigens, etc., e que a terapia consiste em apenas eliminar o açúcar da dieta. Ele relata sua experiência no livro: “Açúcar, amigo ou vilão”. Com isso o doutor Fukuda deveria ter recebido um Prêmio Nobel de medicina, mas na civilização do açúcar restou para ele o Nobel do Esquecimento.
No âmbito internacional a doutora Nancy Appleton especializou se no papel do açúcar nas alergias alimentares e no desequilíbrio que provoca no balanço mineral do corpo. É de sua autoria a lista “141 reasons sugar ruins your health” disponível em seu site. Ela pega pesado, são de sua autoria ainda “Suicide by sugar” (Suicídio por meio do açúcar) e “Lick the sugar habit” (Detone o hábito do açúcar). O doutor Mercola, também em seu site compilou centenas de artigos de revistas científicas a respeito da ação do açúcar nas doenças. O Dr Robert Lustig, da Universidade da Califórnia é protagoniza um video no YouTube: “Sugar the bitter truth” – Açúcar a verdade amarga. Doutor lustig é endocrinologista, afirma que o açúcar na quantidade em que é consumido é tóxico e que deveria ter por parte das autoridades o mesmo tratamento dispensado ao álcool e ao tabaco. Temos ainda as pesquisas do doutor Bart Hoebel da Universidade de Princeton que demonstrou que açúcar vicia pelos mesmos mecanismos da cocaína. Como o açúcar é um agressor polivalente do organismo não podemos deixar de focar a principal epidemia que ele provoca (na verdade pandemia), a de cárie dentária. O livro “Cárie dental uma infecção tratável” do dentista Walter Loersche nos dá um quadro completo do papel do açúcar na epidemia de cárie dentária. Este livro provavelmente não faz parte da bibliografia de nossas faculdades de odontologia.
Creio que talvez uma estratégia eficaz para quebrar a “cortina de açúcar” (mais poderosa que a velha ‘cortina de ferro’ –que foi destruída) seja divulgar os mecanismos pelos quais o açúcar agride a saúde das pessoas. Isso seria uma tarefa multidisciplinar que exigiria um grupo grande de médicos, profissionais de saúde, terapeutas, nutricionistas, nutrólogos e até dentistas.
Como a relação de doenças decorrentes do consumo da ração açucarada que “alimenta” a humanidade contemporânea é muito grande ventilaremos aqui apenas alguns dos mecanismos relacionados às doenças sistêmicas: a) a placa bacteriana ou o biofilme bucal não responde apenas pela epidemia de cárie, ela serve de quartel general de um sem número de bactérias associadas a uma série de doenças como endocardite bacteriana, pneumonia, gastrite, etc.; b) a adição de açúcar aos alimentos aumenta o índice glicêmico tornando a dieta humana uma ração hipercalórica causadora pelo menos das epidemia de obesidade e diabetes; c) a glicação de proteínas (reação de Maillard) explica uma infinidade de doenças: glicação do cristalino (catarata senil), do colágeno (trombose), do colágeno tissular (envelhecimento), das membranas basais (microangiopatias), dos nervos (neuropatias), das células beta (diabete tipo 1), etc.; d) o consumo de açúcar acidifica o corpo fazendo prosperar as células cancerosas. Nossos médicos e demais profissionais de saúde ficam devendo à sociedade esse dossiê.
Enquanto ele não é escrito temos que dar força à Organização Mundial de Saúde (OMS) que luta para que a raça humana não consuma mais que cinco por cento (5%) das calorias totais ingeridas diariamente provenientes da sacarose refinada. Infelizmente o lobby da indústria alimentícia é mais poderoso que a OMS. Para que as pessoas pudessem monitorar a quantidade de açúcar que estão ingerindo e para que não ultrapassassem os 5% preconizados pela OMS, a indústria de alimentos teria que mencionar no rótulo dos seus produtos açucarados a quantidade em gramas de sacarose. Tal medida da OMS se aprovada criaria embaraços ao sistema posto que a indústria de açúcar (e a de alimentos industrializados também) lutam para que o consumo de açúcar e de alimentos industrializados aumente a cada ano.
Enquanto o governo não atende à OMS nada impede que as pessoas usando de seu livre arbítrio dêem as costas ao açúcar. Convido o(a) amável leitor(a) a fazer isso e verifique o que acontece com o seu corpo no que diz respeito à freqüência de resfriados, cáries, gordurinhas localizadas, celulite, etc.
*Fernando Antônio Carneiro de Carvalho é historiador, formado pela Universidade Federal Fluminense, autor do livro “Açúcar, o perigo doce”.

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