“Para além deste Natal
mercantilizado, que se tornou a própria celebração do templo e de seus
vendilhões, vislumbra-se a possibilidade de outro. O verdadeiro: o Natal
cristão, dos explorados, dos humilhados e ofendidos”
O que o mundo realmente celebra no Natal? A saga de um
carpinteiro que trouxe esperança a pescadores e outras pessoas simples
de um país subjugado ao maior império da época.
Por: Celso Lugaretti
Os primeiros cristãos eram triplamente injustiçados: economicamente,
porque pobres; socialmente, porque insignificantes; e politicamente,
porque tiranizados.
Jesus Cristo nasceu três décadas depois da maior revolta de escravos enfrentada pelo Império Romano em toda a sua existência.
As mais de seis mil cruzes fincadas ao longo da Via Ápia foram o
desfecho da epopeia de Spartacus, que, à sua maneira rústica, acenou com
a única possibilidade então existente de revitalização do império: o
fim da escravidão. Roma ganharia novo impulso caso passasse a
alicerçar-se sobre o trabalho de homens livres, não sobre a conquista e o
chicote.
Vencido Spartacus, não havia mais quem encarnasse (ou pudesse encarnar) a promessa de igualdade na Terra.
Jesus Cristo a transferiu, portanto, para o plano místico: todos os
seres humanos seriam iguais aos olhos de Deus, devendo receber a
compensação por seus infortúnios num reino para além deste mundo.
Este foi o cristianismo das catacumbas: a resistência dos espíritos a
uma realidade dilacerante, avivando o ideal da fraternidade entre os
homens.
Hoje há enormes diferenças e uma grande semelhança com os tempos
bíblicos: o império igualmente conseguiu neutralizar as forças que
poderiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.
A revolução é mais necessária do que nunca, mas inexiste uma classe
capaz de assumi-la e concretizá-la, como o fez a burguesia, ao
estabelecer o capitalismo; e como se supunha que o proletariado
industrial fizesse, edificando o socialismo.
As ameaças de catástrofes e o fantasma do retrocesso
O fantasma a nos assombrar é o do fim do Império Romano: ou seja, o
de que tal impasse nos faça retroceder a um estágio há muito superado em
nosso processo evolutivo.
O capitalismo hoje produz legiões de excluídos que fazem lembrar os
bárbaros que deram fim a Roma; não só os que vivem na periferia do
progresso, mas também os miseráveis existentes nos próprios países
abastados, vítimas do desemprego crônico.
E as agressões ao meio ambiente, decorrentes da ganância exacerbada,
estão atraindo sobre nós a fúria dos elementos, com conseqüências
avassaladoras. Décadas de catástrofes serão o preço de nossa incúria.
No entanto, como disse o grande jornalista Alberto Dines, “criaturas e
nações cometem muitos desatinos, mas na beira do abismo recuam e
escolhem viver”.
Se a combinação do progresso material com a influência mesmerizante
da indústria cultural tornou o capitalismo avançado praticamente imune
ao pensamento crítico e à gestação/concretização de projetos
alternativos de organização da vida econômica, política e social, tudo
muda durante as grandes crises, quando se abrem brechas para evoluções
históricas diferentes.
Temos pela frente não só a contagem regressiva até que as
contradições insolúveis do capitalismo acabem desembocando numa
depressão tão terrível como a da década de 1930, como a sucessão de
emergências e mazelas que decorrerão das alterações climáticas.
O sofrimento e a devastação serão infinitamente maiores se os homens
enfrentarem desunidos esses desafios. Caso as nações e os indivíduos
prósperos venham a priorizar a si próprios, voltando as costas aos
excluídos, estes morrerão como moscas.
O desprendimento, substituindo a ganância; a cooperação, em lugar da
competição; e a solidariedade, ao invés do egoísmo, terão de dar a
tônica do comportamento humano nas próximas décadas, se as criaturas e
nações escolherem viver.
E há sempre a esperança de que os mutirões criados ao sabor dos
acontecimentos acabem apontando um novo caminho para os cidadãos, com a
constatação de que, mobilizando-se e organizando-se para o bem comum,
eles aproveitam muito melhor as suas próprias potencialidades e os
recursos finitos do planeta.
Então, para além deste Natal mercantilizado, que se tornou a própria
celebração do templo e de seus vendilhões, vislumbra-se a possibilidade
de outro. O verdadeiro: o Natal cristão, dos explorados, dos humilhados e
ofendidos.
Se frutificarem os esforços dos homens de boa vontade.
Por: Celso Lugaretti, É jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.
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