Por:Paulo Rubem Santiago
“O
modelo se esgotou. Não adianta bater o pé em nome da ‘responsabilidade fiscal’
para agradar aos mercados. É um risco o país continuar a elevar juros, aumentar
dívida e torrar receita para pagá-la sem produzir”
Não faz muito tempo, ouvimos discursos entusiasmados pelo fato de o Real
ter sido a moeda com maior valorização no mundo. Gente de governo e outros de
mídia ressaltaram a façanha. Para os razoavelmente entendedores, essa
valorização se deu graças à entrada volumosa de moeda estrangeira para a
aquisição de empresas, fusões, algumas novas plantas industriais e pelas atraentes
taxas de juros. Do outro lado, produtores e também exportadores, com o suporte
de rigorosos estudos de diversos economistas, de instituições públicas e
privadas, apontaram sinais graves de desindustrialização, de perda de mercado
interno para produtos chineses, indianos e coreanos, como em São Paulo com os
têxteis, calçados e máquinas de lavar.
Situado em posição apontada anos atrás por Celso Furtado como de
integração dependente à globalização, o Brasil se viu numa encruzilhada. A
moeda que mais valorizara estava na economia que se desindustrializava, com
saldo negativo no balanço de transações correntes, em especial alimentado por
forte déficit na balança comercial de bens de média e alta tecnologia. Agora,
com os ventos mudando de direção, há fuga rápida de capitais para os Estados
Unidos. Assim, a moeda que era a mais valorizada um dia desses passou a ser a
mais desvalorizada. Ninguém imaginava, porém, que isso poderia acontecer meses
atrás. São dois lados de uma mesma “moeda”.
Como pode o país de dimensões territoriais e industriais como o nosso,
com instituições acadêmicas respeitáveis, produção e pesquisa consolidadas na
esfera da economia, encontrar-se de forma tão grave, em tão curto espaço de
tempo? Como admitir que agora a orquestra do caos ocupe o teatro, escolha as
peças que quer interpretar e nos imponha sua verborragia crítica afirmando que
a atual crise é fruto de problemas internos? Ora, desde quando essa separação
existe num país de câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário,
tripé que dilui as fronteiras entre o interno e o externo? Juros altos atraem
capitais especulativos. Tal avalanche valoriza o Real, o que estimula
importações, gastos no exterior e encarece exportações. Nesse cenário, eleva-se
a dívida pública e reduz-se a capacidade de investimento público.
Por isso, a
esquerda e seus setores possuem um grande desafio neste momento. A economia não
vai crescer como antes, ancorada em transferências de renda, endividamento,
desonerações e antecipações de receitas, juros altos e câmbio flutuante. O
modelo se esgotou. Não adianta bater o pé em nome da “responsabilidade fiscal”
para agradar aos mercados. É um risco o país continuar a elevar juros, aumentar
dívida e torrar receita para pagá-la sem produzir. Para avançarmos, será
preciso romper com essa armadilha herdada de FHC desde 1999. Temos bons quadros
e presença nos movimentos sociais e podemos convocá-los para construir,
justificar e defender esse passo. Quanto mais demorar, menos tempo haverá para
explicá-lo e mais munição a oposição terá para deitar e rolar nas críticas ao
baixo PIB, ao déficit comercial e de transações correntes, à fuga de capitais,
dentre outros sinais perversos. Esse caminho neoliberal, predominante desde
1999, tem que ser abandonado. Mesmo quando a inflação ficou sob controle, a
riqueza mudou de mãos veloz e amplamente com os encargos da dívida pública.
Basta calcular e comparar. O país tem que recuperar sua soberania e fazer um
projeto de desenvolvimento. A isso devem se submeter a política monetária, a
busca da estabilidade, o câmbio e a gestão do endividamento.
Congresso em Foco
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