“Nós fomos colocados na sala de aula sem muita preparação prévia. Mas eu particularmente assumi a tarefa com vontade de fazer alguma coisa, dentro da minha área, que pudesse ser útil”, é o que diz o professor Diego Alberto, que dá aulas na rede pública e privada no estado de Goiás.
O docente foi um dos entrevistados da série Conexão Sagres: qual é o Ensino Médio que queremos?. Na programação exclusiva do Sistema Sagres, o ouvinte conhecerá as perspectivas de especialistas, estudantes e professores que trazem características do que consideram um modelo ideal para o Ensino Médio.
Atualizações
Não foram apenas os alunos os afetados pelas mudanças trazidas pelo Novo Ensino Médio, proposto pela Lei 13.415. Para se analisar os impactos na sala de aula, é essencial ouvir outros atores deste cenário: os professores.
“Essas mudanças não estão sendo feitas com os professores na base. Nós vemos muitas pessoas discutindo certas mudanças, que estão muito distantes da educação de base e que fundamenta o conhecimento da criança e do adolescente”, complementa o professor Diego.
Ele não é alheio às mudanças, segundo o professor, assim que o anúncio de um novo modelo para o Ensino Médio foi realizado, a sua primeira reação foi otimista.
“Exigiu mais pesquisa, mais estudos, o que por um lado é bom, eu não reclamo de ter mais tempo de dedicação à preparação das minhas aulas. Porém, devo confessar que é desgastante muitas vezes”, explica.
Nesse sentido, o desgaste vem principalmente pelo excesso de aulas e pela falta de professores. Após a inserção dos chamados itinerários formativos, resultado do novo Ensino Médio, não há uma quantidade suficiente para atender a demanda de aulas.
Carga horária
“Na turma que escolheu a trilha de humanas, em um dia eu entro na mesma turma quatro vezes, de seis aulas, quatro são minhas”, comenta.
Segundo ele, o resultado é inevitável: mais planejamentos e o que chamou de “trabalho triplicado”. Formado em História e Filosofia, o professor enxerga boas possibilidades com o novo modelo. Entretanto, destaca que existem lacunas significativas entre as realidades verificadas em diferentes escolas.
“Um dos problemas é que as escolas muitas vezes não tem condições de aplicar como elas deveriam ser”, ressalta.
Além disso, Diego considera que ainda estão em andamento políticas educacionais que não contemplam a diversidade dos cenários distintos no país. “E pra você fazer uma mudança que contempla isso, você precisa ouvir o professor que está na sala de aula”, complementa.
Incertezas
Longe de Goiás,há quase 2000 km, está o professor Iago Gomes. Desde 2009, após se graduar nas licenciaturas de Letras e Filosofia, ele dá aulas na rede pública da Bahia. Em sua cidade, há apenas a sua escola.
“Quando eu entrei no estado, descobri que a escola era um projeto piloto que havia aderido a implementação do novo Ensino Médio. Em 2020, tivemos a pandemia e o interropimento desse processo. Então, esse tempo de transição entre o modelo anterior e o modelo novo foi agravado durante o período pandêmico”, explica.
De acordo com Iago, mesmo após a volta às aulas presenciais, alguns efeitos foram irremediáveis. Principalmente, quando o cenário em foco é o “pátio” das escolas públicas espalhadas pela assimétrica realidade brasileira.
“Como eu tenho tempo e espaço para criar metodologias inovadoras se eu tenho que dar conta de uma quantidade de planejamentos muito maior? No fim, quem sai perdendo é o estudante, porque as aulas vão se tornar mais teóricas e por consequência, menos atrativas”, afirma.
O professor também elenca o aumento de tarefas. Se antes Iago precisava lidar com uma média de cinco planejamentos, agora o número chega a onze.
“Se na teoria nós já tínhamos encontrado problemas, na prática esses problemas se agravaram”, argumenta.
Desafios
As trilhas formativas agora integram a rotina de planejamentos do professor Diego Alberto, que se vê em meio a necessidade de fazer adaptações em seus conteúdos. Desse modo, sob o seu ponto de vista, impede que seus alunos sejam privados de discussões filosóficas que considera fundamentais.
Para o planejamento de aulas, principalmente na rede pública, Diego faz flexibilizações principalmente para a disciplina de Filosofia, que deixou de integrar a lista de disciplinas obrigatórias para a etapa do Ensino Médio.
“Então isso me sobrecarrega, exige de mim um planejamento mais específico e mais criativo, com mais coisas que possam envolver esses alunos para que a gente consiga cumprir o planejamento da escola”, relata.
Formação continuada
“A rede precisa fazer uma formação continuada e trazer suporte para esse professor. No sentido de atendê-lo em demandas com relação ao desgaste que ele está tendo e um verdadeiro suporte”, explica Fabiane Oliveira, Doutora em Educação e especialista em formação de professores.
Segundo ela, antes de olhar para o conjunto de formações oferecidas aos professores durante o exercício da sua docência na sala de aula, é preciso pensar em mudanças já na etapa anterior. Dessa forma, considerar a preparação durante a formação acadêmica.
“Quando pensamos em formação de professores, nos referimos geralmente ao momento em que ele está se formando na Universidade. Esse professor faz o seu curso de formação dele, mas esse curso foi feito em um momento histórico, e que era pra aquele momento histórico”, explica.
Nesse contexto, é preciso considerar o tempo de adaptação e um conjunto de ações que visem assegurar uma rede de amparo para o profissional que precisará lidar com mudanças ao mesmo tempo em que conduz seus estudantes.
Apoio
“Nós inserimos um monte de disciplinas e se aquele professor já se sentia precisando um pouco mais de atualização para ministrar o que já era formado, agora sim, ele precisa de mais qualificação para fazer aquilo que ele não é formado para fazer”, ressalta o professor e Mestre em Educação, Dário Aguirre.
Com a implementação do novo modelo, novos componentes foram adicionados entre os conteúdos. Nesse sentido, se assemelham ao que se conhece por disciplinas, mas podem misturar conteúdos de diferentes áreas e não são padronizadas em todo o país.
Essa fragmentação também é alvo de preocupação entre especialistas da Educação e atualmente, é um dos pontos de revisão na Consulta Pública para o Ensino Médio.
“O professor não é uma máquina ou um elo de uma engrenagem. Ele é alguém humano que tem sentimentos, fragilidades e limitações. Então, para além do suporte pedagógico, ele precisa ser olhado e cuidado”, alerta a professora Fabiane Oliveira, que também representa a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
por Jessica Lima
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