Disciplinas optativas também são motivo de preocupação
A reforma do Ensino Médio, instituída em 2017 e com início de sua implantação em 2022, veio com a promessa de maior possibilidade de escolha aos alunos, autonomia e diversidade de conteúdos alinhados ao futuro dos estudantes. A legislação ainda agregou expectativa de melhorias educacionais, com a implementação gradual do Ensino em Tempo Integral e formação profissionalizante. Porém, professores e sindicatos apontam pouca estrutura para aplicação do Novo Ensino Médio (NEM). Estudo recente indica que 14,6% das escolas estaduais só têm uma Trilha de Aprendizagem, limitando as escolhas dos estudantes.
Os dados integram análise feita pelos pesquisadores Ângela Chagas, Maria Beatriz Luce e Mateus Saraiva, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faced/Ufrgs), em Porto Alegre. O trabalho informa sobre redução na carga horária de componentes essenciais, pouca oferta de disciplinas eletivas e divergências no número de Trilhas oferecidas (box).
O levantamento indica que o catálogo de Itinerários Formativos, organizados em 24 Trilhas pela Secretaria Estadual da Educação, cria um total de 201 novas unidades curriculares, distribuídas nas áreas de Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza. A análise considera quatro áreas, das cinco previstas pelo Ministério da Educação (MEC), não contemplando a oferta do 5º Itinerário, voltado ao Ensino Profissional.
Entre os principais apontamentos, são destacados o esvaziamento da formação geral básica e fragmentação curricular, a limitada liberdade de escolha aos estudantes e o aprofundamento e legitimação das desigualdades educacionais. Ângela explica que a 2º parte da pesquisa, agora com estudo de campo, ouvirá estudantes, professores, diretores e equipes pedagógicas. “As escolas que estou acompanhando, por exemplo, não têm condições estruturais de fazer uma oferta diversificada. Elas definiram o número de Trilhas a partir de suas realidades, pois não têm professores suficientes”, argumenta.
A pesquisadora também assinala que os docentes relatam sobrecarga de trabalho. “Tivemos um enxugamento desses componentes essenciais em que os professores têm formação. E, para completar a carga horária, eles precisam pegar estas novas disciplinas.” Além disso, diz que é preciso considerar que cada escola possui Trilhas diferentes, dificultando o trabalho do professor que atua em mais de uma instituição. “No 2º ano, são 19 matérias ao todo. O professor dá aula de Iniciação Científica, Projeto de Vida e de outros componentes. Isso sem salário, condições e formação continuada adequados.”
Outra preocupação são as disciplinas eletivas – matérias optativas, além dos componentes obrigatórios. “É um problema dessa estruturação do NEM, pois ninguém entende. Professores e alunos estão confusos.” Conforme Ângela, a maioria das escolas conta com apenas uma disciplina eletiva, muitas vezes ofertada no turno inverso. “Muitos alunos trabalham, precisam ajudar a família em casa. Por isso, a maioria não consegue fazer as eletivas.” Os resultados parciais da 2º fase da pesquisa devem ser lançados até o final deste ano, antes da entrega da versão final, prevista para o 2º semestre de 2024.
Secretaria da Educação
O subsecretário estadual de Desenvolvimento da Educação, Marcelo Jeronimo Rodrigues Araújo, avalia positivamente os resultados da pesquisa e ressalta que a Secretaria da Educação do RS segue o cronograma nacional de implementação do NEM. “No ano que vem, o modelo deve estar funcionando de forma plena no Ensino Médio.” Ele recorda que, em 2022, ocorreram escutas e avaliações para entender quais as Trilhas que deveriam ser oferecidas. “As Trilhas foram elegidas pelas comunidades, dentro do que fazia mais sentido para cada uma das regiões do RS.”
Sobre o percentual de escolas que ofertam somente uma Trilha de Aprendizagem, ele reconhece o desafio de ampliar as opções, principalmente em cidades pequenas. “Em algumas localidades, o desafio é mais complexo para garantir a oferta diversificada, inclusive, faltam estudantes para fechar mais turmas no Ensino Médio em vários municípios.” Ele lembra que, antes do NEM, todos os alunos tinham apenas uma Trilha. “Sabemos que nossa juventude é diversa. Estamos buscando ajustar o processo de implantação e esse número de escolas somente com uma Trilha também já está diminuindo.”
O dirigente afirma que uma das estratégias a ser adotada pelo Estado é a parceria com instituições privadas. E cita que está em curso um processo de articulação da oferta junto ao Sistema S, para garantir Itinerários diversificados nas escolas. “Posso adiantar que já estamos no nível de análise e validação junto ao Conselho Estadual de Educação (Ceed).”
Em um processo de implantação, de acordo com o subsecretário, é comum que se tenham pontos a aprimorar. Ele informa que a Secretaria aguarda posicionamento do MEC a respeito de novos ajustes, que devem ser encaminhados ao final da Consulta Pública, que será concluída no dia 6/7.
Sobre a necessidade de capacitação dos professores, diz que a formação é contínua. “No site da Secretaria, temos uma série de formações ativas e voltadas a trabalhar aquilo que o Ensino Médio propõe. Também estamos avançando no Ensino Integral e já temos vários cursos voltados para essa área. Então, é importante que os professores façam essas formações”, considera. Apesar dos desafios, Marcelo diz que o NEM significa “uma ampliação da jornada de estudo, com maior carga horária para o professor e maior presença dos estudantes em sala”. E assinala a importância deste modelo dialogar com ampliação do Ensino Técnico e em Tempo Integral.
Professores e entidades avaliam a reforma
Articulados pela revogação do Novo Ensino Médio (NEM), professores, sindicatos e comunidade escolar têm se reunido em seminários, manifestações, audiências públicas e outros encontros para buscar alternativas à reforma. A professora Neiva Lazzarotto, diretora do 39<SC120,176> Núcleo do Sindicato dos Professores do RS (Cpers) e integrante do Comitê Gaúcho Pela Revogação do NEM, conta que diversas agendas têm sido realizadas para ampliar o debate sobre a temática.
No dia 25/6, uma live foi promovida pelo Fórum de Comitês Estaduais e, no dia 27/6, uma audiência pública ocorreu na Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do RS (AL), em Porto Alegre.
Neiva elenca que, entre os principais argumentos pela revogação, estão a diminuição da carga horária de disciplinas tradicionais, a “desprofissionalização” dos professores e a “falsa” proposta do 5º Itinerário”. “Não é um curso técnico ou profissionalizante. Queremos que os jovens tenham direito à formação de verdade, e não uma farsa.” Assim como apontado pela pesquisa da Ufrgs, a professora também pontua a baixa oferta de Trilhas. “Não é verdade dizer que os alunos podem escolher, e que as escolas têm opção de fornecer Trilhas diversas. Pois não há professor, formação, e não é um modelo que sirva.”
Sobre a Consulta Pública do MEC e a cartilha com sugestões de respostas, elaborada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Neiva revela: “Como 39º Núcleo, não aderimos. Embora as respostas fossem positivas, não temos confiança no MEC”. Ela ressalta o apoio ao Projeto de Lei 2601/2023, do deputado federal Bacelar, que altera artigos da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), para fazer uma revogação por substituição.
“Defendemos um currículo com maior peso para a formação geral, que deixe uma parte diversificada, mas não se fale mais em Itinerários.” Além disso, argumenta sobre a importância da realização de uma conferência nacional de educação. “Todas as partes devem ser ouvidas, professores, direções e funcionários, além da Secretaria de Educação e entidades. O MEC tem ouvido apenas entidades, mas achamos que deveria passar por debate mais profundo.”
Instituto Estadual
Para o professor Jefferson Rocha, vice-diretor do Instituto Isabel de Espanha, em Viamão, o principal problema para a implementação do NEM na rede estadual é a falta de recursos humanos (RH). “A proposta da Secretaria é boa, é bem desenhada, mas isso tudo está indo por água abaixo devido à falta de professores.”
Ele esclarece que a escola optou pelas Trilhas voltadas ao ensino de
Matemática e Português. No entanto, já no começo do ano letivo, o
Instituto estava sem professores para ambas as disciplinas. “Equipamos
nossos laboratórios, a biblioteca e montamos a estrutura, mas fica
inviável por não termos o RH.” Por isso, a implementação das disciplinas
eletivas também não foi possível. Ele reitera que a reforma, se bem
aplicada, inclusive com Ensino Integral, seria benéfica. E entende que
deve considerar as individualidades das regiões e dos alunos. “É preciso
contemplar quem quer fazer vestibular, quem quer empreender ou fazer
curso técnico. Mas isso só acontece com estrutura.”
Próxima edição: rede privada gaúcha avalia o NEM.
Correio do Povo
0 Comentários