Piratas em Santos
Qual de diferença de Corsário para pirata? O pirata ataca sem autorização, já o corsário é autorizado pela corte ou seja, seu rei! Enfim, os dois praticam as mesmas atrocidades, de maneira que, o pirata é um fora da lei e o corsário é "legal".
Santos, município histórico de São Paulo e do Brasil, terra de Braz
Cubas, tem histórias pouco lembradas em nossos dias. Uma delas é narrada
por Gustavo Barroso, da Academia Brasileira de Letras, no livro
"Segredos e Revelações da História do Brasil".
Era dia de Natal de 1591 e três navios com velas desfraldadas ao sopro
da brisa praiana adentraram ao porto de Santos. Enquanto os santistas
participavam das cerimônias natalinas, reunidos nas igrejas, barcos
lotados de homens armados desciam na praia. Formaram bandos que, aos
urros, iam matando quem resistisse, invadiam casas e as saqueavam.
Tomaram todas as posições estratégicas para se apoderar da cidade.
Eram piratas (Corsário) ingleses. Os três barcos integravam a esquadra do famoso
bandido marítimo Thomas Cavendish. Eram o "Roebuck", do capitão Cocke, o
"Desire", do capitão John Davies e o "Blake Pinesse", do capitão
Strafford. Vieram à frente, enquanto Cavendish ficara de atalaia na ilha
de São Sebastião, com dois outros navios: o "Leicester" do capitão
Southwell e o "Daintie", do capitão Barker. Quando o chefe da rapinagem
chegou a Santos, dias depois, os primeiros piratas já eram donos do
lugar.
Era uma época em que o Brasil se tornara alvo fácil da gatunagem. Os
núcleos populacionais eram poucos e escassamente habitados. A Bahia
possuía 24 mil habitantes, Pernambuco 20 mil e outras 13 mil almas se
espalhavam por Itamaracá, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, Rio de
Janeiro, São Vicente e Santos. Aqui, dez anos antes, o pessoal da vila
conseguira repelir o ataque o pirata John Whitall, mas em 1583 fora
saqueada por Edward Fenton, que a esquadra espanhola de D. Diogo Flores
Valdez, navegando rumo a Buenos Aires, conseguiu derrotar.
Thomas Cavendish nascera em Trimby, na Grã Bretanha e recebera patente
de corsário da Rainha Elizabeth, inimiga do Império Espanhol, que então
dominava Portugal e o Brasil. Era um notável navegador. Suas anotações
sobre as longas travessias, como o curso das marés, as correntes
marinhas e o regime dos ventos no Atlântico, Pacífico e Índico foram
essenciais para a navegação a partir dele.
Permaneceu em Santos durante dois meses, sacrificando a população,
roubando tudo o que foi possível, depredando e queimando engenhos dos
arredores. Em seguida foi para o Sul, com os despojos de guerra. Voltou a
Santos em 1592, na certeza de que o povo local se recuperara e que ele
poderia fazer uma nova arrecadação de seus bens.
Desta vez, os santistas estavam preparados. Os piratas ruivos, barbudos e
ferozes encontraram reação de pedreiros e mosquetaria, foram
enfrentados com arma branca, cercados e chacinados sem piedade.
Os capitães Southwell, Barker e Strafford morreram e os marujos que
sobraram se recolheram a bordo. Fugiram de Santos horas depois.
O orgulho de Thomas Cavendish não permitia que ele aceitasse derrotas.
Ficou furioso e quis ressarcir-se do revés em outras localidades do
litoral brasileiro. Nunca aceitaria voltar à Pátria desonrado e
desmoralizado, ele que se considerava - e por muitos era mesmo
considerado - invencível, um verdadeiro leão do mar. Mas em maré
adversa, foi rechaçado pela povoação da Ilha de São Sebastião e também
pelos moradores da Ilha Grande. Novas perdas e desfalques de seus
melhores oficiais. Os barcos necessitavam de reparos. Foi ao Espírito
Santo, entrou na baía de Vitória, ancorou em Vila Velha, aos pés da
elevação em que se construiu o convento de Nossa Senhora da Penha.
Avertida, a população escondera pertences, roupas e alfaias, tudo o que
possuía, e se refugiara dentro dos muros conventuais. Os piratas
desceram e encontraram as casas vazias. Cavendish quis atacar o
mosteiro. Os refugiados resistiram. Passou-se à luta homem a homem,
todos munidos de arma branca.
Conta a tradição que um cavaleiro armado desceu do céu que se abriu e
que o vulto de Nossa Senhora da Penha inspirou os corajosos resistentes.
Os britânicos recuaram e fugiram, abandonando as próprias armas.
Cavendish nunca chegou a voltar à sua terra natal. Morreu
miseravelmente, depois de não conseguir consertar a frota e obter mais
braços. Seu corpo teve o mar por cemitério. Os santistas da época
atribuíam a derrota à maldição de não haver respeitado o dia do
nascimento do Senhor.
Publicado no Blog do Fausto Macedo
Do Acadêmico: José Renato Nalini
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