Novo Ensino Médio: o que ajuda e desafia a implantação das mudanças nas escolas públicas do Estado

 O aumento da carga horária da formação geral e o número de escolas em tempo integral são pontos tidos como favoráveis no Ceará, mas há outros aspectos que carecem de atenção 

Novo Ensino Médio: como está na Câmara o projeto do Governo que altera o  modelo e quando será votado - Ceará - Diário do Nordeste

A aprovação na Câmara dos Deputados, esta semana, do Projeto de Lei (PL) 5230/2023 que altera o Novo Ensino Médio, implementado em 2022, colocou novamente em destaque o assunto que, nos últimos anos, tem sido alvo de críticas e tensões. Agora, a proposta está no Senado e há projeções de que a votação ocorrerá em breve. Do que foi aprovado, o retorno das 2.400 horas para a formação geral básica (disciplinas obrigatórias) foi uma mudança relevante e que pode impactar, agora, no êxito do modelo nas escolas.

No Ceará, 754 unidades da rede pública estadual ofertam o Ensino Médio. Nesse cenário, o que ajuda e o que desafia a implantação das alterações nessas escolas?

No processo da tramitação do PL na Câmara a proposta do Ministério da Educação (MEC) foi descartada quase integralmente e o texto alternativo aprovado alterou a carga horária da formação geral. Mas, em paralelo, manteve pontos criticados anteriormente.

Se aprovada no Senado da forma como está, a mudança deve vigorar a partir de 2025.  O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), na próxima reunião em 5 de abril, deve começar a discutir como será essa implementação em cada estado. 

Com o que foi aprovado, o único ponto o qual houve efetivamente um atendimento ao que o Governo propôs foi a mudança na carga horária. No Ensino Médio, é preciso cumprir 3.000 horas aula durante os 3 anos. Com a nova proposta a divisão dessas horas passou a ser da seguinte forma: 

  • Formação geral básica (disciplinas obrigatórias): passa de 1.800 horas para 2.400 no novo formato
  • Parte flexível do currículo: passa de 1.200 horas para 600 no novo modelo

Esse aumento de carga horária para a formação geral era uma demanda defendida e negociada pelo MEC com parlamentares da Câmara e também por parte da comunidade escolar, como estudantes, professores, gestores e pesquisadores da educação. 

A mudança remodela o que já foi experimentado e não teve êxito anteriormente, e dá destaque e tempo às disciplinas que são comuns a todos os estudantes. 

Esse é o grande diferencial da mudança. No Estado, há 399 mil alunos na rede estadual. E uma outra distinção no cenário local que pode contribuir para uma mudança mais assertiva é o fato de 75% das escolas serem de tempo integral, o que ajuda a equacionar a carga horária. Na avaliação de fontes da educação ouvidas pelo Diário do Nordeste, nesse processo o Ceará conta com os seguintes pontos:  

Pontos que ajudam

  • O aumento de 1.800 para 2.400 na carga horária da formação geral (que embora não seja um ponto específico do Ceará, pode ajudar no cenário local); 
  • O fato de o Ceará ter 75% das escolas de Ensino Médico em tempo integral faz com que a carga horária (parte da formação geral e a parte flexível) possa ser melhor equacionada. Pois há escolas da rede que cumprem, por exemplo, 5.400 horas no decorrer dos 3 anos;
  • A autonomia para a rede implementar medidas que não foram aprovadas na lei, mas são avaliadas como necessárias no cenário local, como o espanhol no rol da formação geral;
  • Maior atenção a necessidade de diretrizes sólidas para oferta de disciplinas optativas o que, por efeito, pode aprimorar a qualidade da oferta. 

Pontos que desafiam

  • A rede estadual terá que organizar e lidar com vários regimes diferentes ocorrendo em paralelo nas escolas. Por exemplo: em 2025 poderá ter escolas regulares com turmas no Novo Ensino Médio e outras no modelo atual; do mesmo modo isso pode ocorrer nas de tempo integral e nas profissionalizantes; 
  • A divisão da carga horária com a possibilidade, prevista em lei, de menor oferta da formação geral para alunos das escolas profissionalizantes (com o mínimo de 1.800, enquanto nas regulares o mínimo é 2.400) de ter um aprofundamento das diferenças entre as escolas;
  • As próprias diferenças já existentes nas condições estruturais das escolas e a incompatibilidade com o novo modelo;
  • Lacunas na formação dos professores para o novo modelo, o que pode voltar a gerar a realização pouco planejada das disciplinas da parte flexível; 

O que pode ajudar?

Na avaliação da secretária estadual de Educação do Ceará, Eliana Estrela, a garantia das 2.400 para a formação geral “foi importante porque era algo que a gente já defendia”. De acordo com ela, no Estado, a ideia é usar essa ampliação (de 1.800 para 2.400) para aumentar as aulas dos componentes de matemática e língua portuguesa. 

Além disso, embora o PL não tenha resgatado o espanhol como uma disciplina obrigatória, no Ceará, segundo a secretária, valendo-se da prerrogativa estabelecida na proposta, a língua espanhola será incluída na formação geral. Essa autonomia, destaca Eliana, é também um ponto que pode contribuir nessa nova experiência. 

Para o professor Helano Maia, secretário-geral do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação do Estado e Municípios do Ceará (APEOC), a “mudança que mais chama atenção é a ampliação de 1.800 para 2.400 horas destinadas à formação geral básica, entretanto existem outras mudanças sutis que podem fazer grande diferença, como a citação expressa de disciplinas distribuídas em áreas de conhecimento, o que não se tem na legislação atual”. 

Na avaliação de Heleno, “o Ceará não terá dificuldade em absorver essas mudanças, uma vez que vinha realizando a implementação do Novo Ensino Médio com muito cuidado e garantindo a lotação de professores por disciplina. Outros estados poderão ter dificuldades devido a realização de mudanças drásticas no currículo na implementação desse novo “velho” ensino médio”, pondera.

Ele também destaca que “a grande queixa no modelo aprovado em 2017 é a redução de carga horária de formação geral básica para inclusão de disciplinas eletivas. O que deveria favorecer uma formação melhor, acabou dando espaço para práticas altamente questionáveis e sem conexão firme com a boa formação dos estudantes”. 

A titular da Seduc também aponta que antes uma das críticas dizia respeito à falta de clareza no perfil dos 4 itinerários formativos e isso resultava em uma ausência de padrão nas escolas. De acordo com ela, agora, o MEC “orientará esse desenvolvimento dos itinerários formativos” e isso auxiliará na implementação da experiência.  

Outro ponto favorável à rede estadual do Ceará, defende Eliana, é o grande número de escolas em tempo integral, o que ajuda na distribuição da carga horária.

Nas escolas regulares, essas 3.000 horas do Ensino Médio são dividas em 5 horas aula por dia. Mas o Ceará tem escolas onde os alunos passam 7h ou 9h por dia. Isso resulta em cargas horárias totais de 4.200 horas ou 5.400 horas nos 3 anos de ensino médio. 

“Desde cedo a gente já estava na defesa das 2.400 horas porque como já temos essa experiência das jornadas ampliadas sabíamos que seria mais tranquilo. Então, temos um currículo com até 5.400 horas que facilita bastante a implementação do Novo Ensino Médio”, reforça Eliana, que lembra ainda que as 2.400 horas são o mínimo e com a jornada ampliada elas podem aumentar.  

Para a doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Rejane Bezerra Andrade, três fatores podem contribuir para o êxito da implementação do Novo Ensino Médio:

“a experiência adquirida pelos profissionais das secretarias de educação e das escolas de Ensino Médio desde a implementação em 2022, o crescimento do número de escolas de ensino médio em Tempo Integral e a ampliação da carga horária da formação geral básica, observando-se as particularidades e especificidades de cada ente federado”.
Rejane Bezerra Andrade
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece

O que precisa de atenção?

Em paralelo, outros pontos podem ser desafiantes e dificultar, novamente, essa implementação. Um deles, é que com a aprovação do aumento da carga horária da formação geral foi criada uma diferença entre a oferta para os alunos do regime regular e os dos cursos profissionalizantes. Pois, no segundo caso,  os alunos do ensino profissional poderão ter 1.800 horas de formação geral e até 1.200 destinadas à parte técnica. Ou seja, terão menos carga horária da formação geral em comparação com os do ensino regular. 

Esse tópico equacionou também uma demanda do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que tinha requerido atenção para a viabilidade da carga horária da formação geral para os alunos da educação profissional. Essa situação cria uma diferença na execução da carga horária para as duas modalidades e pode impactar na preparação e no desempenho em provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). 

“A tendência é que se aprofunde as diferenças entre escolas regulares e profissionalizantes, de forma que as profissionalizantes ficarão mais focadas em formação técnica profissional e menos preparação geral, o que provavelmente irá dificultar o acesso à universidade via Enem”.
Helano Maia
Secretário-geral da APEOC

Ele também reforça que “tempo integral facilita a implementação do Novo Ensino Médio ao mesmo tempo que apresenta grandes desafios inerentes a esse modelo de ensino”. 

A professora Rejane Bezerra também sinaliza que poderá haver esse impacto “em termos de aquisição de conhecimentos gerais básicos”, pois “os estudantes que optarem por realizar o ensino médio integrado à educação profissional terão uma carga horária de 1.800 horas de formação geral básica, diferentemente dos jovens do ensino médio regular, que terão uma carga horária de 2.400 horas”. 

A titular da Seduc, Eliana Estrela, quanto a isso, destaca que há um compromisso no Ceará para que o carro-chefe do Ensino Médio continue sendo o Enem, independentemente, se o aluno está na escola regular, integral ou profissionalizante. “O Enem é a oportunidade de ingressar na universidade, então o estímulo é o mesmo para todos. Faremos de tudo para manter esse foco”, reforça. 

Ela também destaca que nesse “novo momento” de implementação, há uma maior ciência das críticas feita ao modelo,a partir da escuta de professores e estudantes e isso impacta também em atenção a pontos como a qualidade dos itinerários formativos e a formação dos professores para que as queixas não se repitam. 

Com Informação do Diário do Nordeste

 

 

 

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