'Guerras’ nas ruas com armas de gel ferem e viram caso de polícia e saúde pelo país

 

As guerras’ nas ruas com armas de bolinhas de gel se tornaram uma febre entre jovens em várias partes do país, mas estão causando problemas de segurança e saúde pública.

Virou rotina grupos se organizarem e marcarem confrontos pelas redes sociais. Nas ruas, eles trocam tiros ou mesmo miram em veículos e imóveis com as armas, vendidas em sites e lojas. Na internet, é possível comprar uma dessas a partir de R$ 100, sem restrições. O equipamento, porém, não é considerado brinquedo e não pode ter selo do Inmetro.

Nas últimas semanas, vídeos nas redes sociais mostram casos que viraram problemas em diferentes, seja por deixarem participantes com ferimentos nos olhos ou provocarem problemas de segurança pública.

Adolescentes fazem crianças reféns

Em Garuva (SC), no último dia 10, um grupo de crianças foi feito refém e obrigado a se ajoelhar no chão por adolescentes que estavam com armas de gel. Uma delas tentou fugir, mas foi alcançada e colocada de joelhos à força. O caso foi parar no Conselho Tutelar.

No Rio, um vídeo de um policial ameaçando integrantes de uma destas disputas viralizou. “Dessa vez estou dando uma ideia [de parar com a ‘guerra’], na próxima não vai ter”, afirma o policial.

Em Pernambuco, participantes sofreram ferimentos nos olhos

O problema ganhou grande repercussão em Pernambuco esta semana. No Recife, a maior emergência oftalmológica do estado recebeu, desde o dia 30 de novembro até a sexta-feira (13) à tarde, 79 pessoas feridas nos olhos por conta das guerras, algumas com lesões sérias.

“São várias lesões, a maior parte de uveítes —que são uma inflamação do tecido vascular interno do globo. Se não tratada, pode levar a sequelas visuais, e o tratamento requer um tempo prolongado de algumas semanas para que o paciente fique bem”, afirma a oftalmologista Camila Moraes, vice-coordenadora do Departamento de Cirurgia Refrativa e coordenadora do Departamento de Ensino da Fundação Altino Ventura.

Há outros tipos de lesões que causam sangramentos e podem levar a consequências sérias, segundo a médica. “Caso esses pacientes com sangramento não evoluam bem, eles podem ter um tipo de glaucoma secundário ou perda de opacidade corneana. E o que a gente mais se atenta, na verdade, é o risco de descolamento de retina”, diz.

Os jovens, afirma a médica, contam que participantes destas “guerras” estão guardando as balas em congeladores para que fiquem duras. “Ela deixa então de ser uma bala de gel e vira uma bala de gelo, o que tem um impacto totalmente diferente e pode levar a um outro tipo de dano, até com rasgos ou dilacerações da córnea mais graves”, pontua.

O problema escalou a um ponto no estado que a SDS (Secretaria de Defesa Social) de Pernambuco concedeu uma entrevista coletiva na segunda-feira passada (9) para alertar pais de adolescentes sobre possíveis implicações dessas batalhas. “Arma em gel não é brinquedo”, alertou o delegado Mário Melo.

“Só o fato de portar ou comprar a arma não é crime; porém, pela forma como ela está sendo utilizada, nesse ambiente descontrolado, com pessoas usando balaclava e muitas vezes fazendo apologia ao crime, pode haver implicações penais”, afirmou Mário Melo

Duas cidades do Grande Recife anunciaram esta semana a proibição do uso dessas armas em seus territórios: Olinda e Paulista.

Usadas em arrastão

Os casos também foram debatidos esta semana no MPPE (Ministério Público de Pernambuco), que citou que tem recebido denúncias de casos de ferimentos graves, inclusive em pessoas que não participavam das batalhas. A promotora Tathiana Barros disse que já houve casos de arrastão com furtos por pessoas com armas de gel.

Modelo de arma com bolinhas de gelModelo de arma com bolinhas de gel | Imagem: Inmetro/Divulgação

Não é brinquedo, diz Inmetro

Em nota, o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) afirma que a Portaria nº 302, de 2021, diz que essas armas não são consideradas brinquedos. “Todas as armas de brinquedo, com ou sem projéteis, devem atender às advertências e requisitos de segurança estipulados para brinquedos” afirma.

“Réplicas de armas com projéteis de bolas de gel são semelhantes a equipamentos como airsoft e paintball, regulamentados pelo Decreto nº 11.615, de 21 de julho de 2023, o qual  está sob a competência do Inmetro”, diz o órgão.

Ainda na nota, Márcio André Brito, presidente do Inmetro, orienta a população a denunciar comercialização de réplicas de armas de fogo que tenham, indevidamente, o Selo de Conformidade do Inmetro através do link da Ouvidoria.

Carlos Madeiro – Colunista do UOL

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