Veja como vai funcionar o parecer que traz novas diretrizes para a educação especial


Ministério da Educação (MEC) homologou, em 12 de novembro, um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) com novas orientações para a educação especial e para o atendimento de estudantes com transtorno do espectro autista (TEA) no ensino básico.   

A fim de ser usado como referência em redes de ensino públicas e privadas, o Parecer nº 50/2023 traz, no texto, a legislação brasileira já existente sobre educação especial, junto a novas informações e atualizações. Elas versam sobre o acesso a matrículas e a formação de turmas; a participação de estudantes e famílias em decisões escolares; a aprendizagem para o público-alvo da educação especial; a função do profissional de apoio no atendimento ao estudante com TEA; a formação continuada de professores a fim de atender esse público, entre outros. 

Apesar de ter sido reanalisado em 2024 após críticas, em 2023, de pessoas que advogam pela causa da educação especialo novo texto ainda causa insatisfações entre a população. O ministro da Educação, Camilo Santana, comentou, em nota publicada pelo MEC, que as movimentações sobre o tema haviam sido acompanhadas de perto e que, agora, o “trabalho continua, com o investimento na formação continuada de professores e na implementação das salas de recursos multifuncionais, buscando eliminar as barreiras e promover a equidade no processo de escolarização."  

Ao Correioporém, a advogada especialista nos direitos das pessoas com deficiência Isaura Sarto criticou o parecer. Mãe de um adolescente com autismo, ela garante que o parecer “não atende os anseios das famílias que lutaram por um documento que era completamente diferente do que foi aprovado pela nova composição do CNE e homologado pelo MEC." 

O parecer defende um estudo de caso específico para cada estudante com autismo, que funcionaria como diagnóstico e descreveria a adaptação do aluno à escola baseando-se em relações com colegas, professores e família. O documento define perguntas a serem respondidas no estudo, entre elas, se a criança gosta da escola e se tem amigos. 

A partir desse primeiro estudo, são formulados um Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE) e um Plano Educação Individualizado (PEI)O primeiro, obrigatório, deve ser continuamente atualizado e conter, segundo o parecer, além do registro do estudo de caso, a “definição de materiais e recursos para eliminar ou minimizar as barreiras no contexto educacional”; “avaliação da necessidade e disponibilização de recursos de tecnologia assistiva e comunicação aumentativa e alternativa”; “avaliação da necessidade de oferta de profissionais de apoio escolar, intérpretes de língua brasileira de sinais e guias-intérpretes”; bem como “demandas para a rede de proteção social e articulação intersetorial.” 

O PEI, por sua vez, contaria com “um plano de acessibilização curricular, considerando as atividades desenvolvidas na sala de recursos multifuncionais e a articulação com o professor regente e demais profissionais da unidade escolar, nos diferentes espaços”; e “medidas individualizadas de acesso ao currículo para os estudantes autistas." 

Descaracterização

Para Isaura, “o PEI foi totalmente descaracterizado, o acompanhante especializado foi retirado, as práticas baseadas em evidência também”.  Segundo ela, “no texto antigo do Parecer 50, o PEI deveria ser elaborando conjuntamente por professores e outros profissionais que atendem alunos, famílias e estudantes com autismo”. Em relação ao parecer homologado no último dia 12, porém, “o PEI foi reduzido a uma entrevista com o aluno, onde é perguntado se ele tem ciência dos seus direitos e se tem relações afetivas na escola." 

A especialista diz ainda que, na prática, o parecer é “orientador”, ou seja, “não tem força normativa, não vincula nem obriga a escola”. Apesar disso, “sendo produzido pelo CNE e homologado pelo MEC, ele tem peso nas relações jurídicas”, afirma. 

“Exemplifico: a escola não fornece as adaptações razoáveis, não faz o PEI e não coloca o acompanhante especializado, que é direito do aluno autista. A família tem que recorrer ao judiciário para garantir os direitos do aluno. A escola, seja pública ou privada, pode dizer que está seguindo as recomendações do MEC, o Parecer Orientador nº 50.” Segundo Isaura, isso gera insegurança jurídica. 

Divergências

Outra questão no parecer é significativa para a advogada: a do acompanhante especializado. O profissional de apoio que consta no parecer é diferente do acompanhante especializado. São profissionais diferentes. O acompanhante especializado é direito do aluno autista, fica dentro da sala, garantindo sua permanência e participação, previsto na Lei n° 12.764/2012. O profissional de apoio exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção, não fica dentro da sala, o que não atende às necessidades específicas dos alunos autistas, está previsto na Lei n° 13.146/2015.” 

Única conselheira que votou contra o parecer, Mariana Lúcia Agnese Costa Rosa é fundadora de uma organização sem fins lucrativos que trabalha pelo anticapacitismo, o Instituto Cáue. Na declaração de voto contrário, ela criticou as consultas públicas realizadas em 2024, “nas quais não se observou a paridade de argumentos e de posições” e ausência de declaração de conflito de interesses de um dos autores do relatório técnico, haja vista que, em sua proposição de texto, indicava a adoção de protocolos de intervenção na escola idênticos àqueles implementados em sua rede de clínicas." 

Mariana também destacou que o parecer “organizou sua argumentação a partir do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V), o que ficou explicitado ao localizar no autismo em si aquilo que deve ser objeto de intervenção, reduzindo a responsabilização do ambiente e das relações, e indicando a sobreposição da saúde à educação, com impactos na autonomia de professores e escolas." 

Correio Brazieliense 

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