“No Brasil, o morador da cobertura não paga o condomínio”, diz Haddad sobre a injustiça social

 




O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou a apontar a concentração de privilégios no topo da pirâmide social e a urgência de corrigir distorções fiscais no Brasil. Em entrevista ao JR Entrevista, da Record TV, publicada no YouTube na última terça-feira (24), o titular da equipe econômica destacou que seu esforço central é “equilibrar as contas públicas onerando quem não paga imposto e desonerando quem paga”.

Segundo Haddad, o país mantém um sistema regressivo que pune sobretudo assalariados e classe média. “É justo um milionário pagar 2,5% de imposto de renda e a professora de escola pública pagar 10%?”, questionou, lembrando que há 141 mil brasileiros que ganham mais de R$ 1 milhão por ano e contribuem bem menos, proporcionalmente, do que quem recebe até R$ 5 mil. “Nós estamos entre os dez países mais injustos do mundo do ponto de vista do tributo”, afirmou.

Nenhum gasto extra fora de emergências

O ministro foi direto ao comentar o projeto que amplia de 513 para 531 o número de deputados. “Nenhum aumento de gasto é bem-vindo, a não ser os imprescindíveis”, declarou, classificando a proposta como inoportuna diante do esforço para conter o déficit. Ele lembrou que exceções só se justificam em situações extremas – como a tragédia climática no Rio Grande do Sul –, quando “não se pode economizar com a vida das pessoas”.

Haddad argumentou que “congelar debate sobre aumento de despesa até garantir sustentabilidade fiscal” é condição para manter o ciclo de crescimento que o governo do presidente Lula quer prolongar.

Super-ricos nas contas do ajuste

Para compensar a isenção do Imposto de Renda prometida a quem ganha até R$ 5 mil mensais, Haddad voltou a defender a taxação complementar sobre rendas altas: “Queremos que quem ganha R$ 80 mil ou R$ 100 mil por mês pague ao menos o mesmo que a professora de escola pública”. Ele disse esperar que o relator da proposta, deputado Arthur Lira (PP-AL), “chegue ao bom senso de que os ricos têm de pagar alguma coisa”.

O ministro citou ainda o caso das casas de apostas virtuais: “Entre a bet e a Santa Casa, vamos combinar: um tá destruindo vidas, o outro tá construindo vidas”. A Fazenda quer restabelecer alíquota de 18% – reduzida a 12% pelo Congresso – sobre esse segmento, que “ganha muito dinheiro sem gerar empregos” e, em grande parte, remete lucros ao exterior.

Consignado do trabalhador e crédito habitacional

No campo do crédito, Haddad celebrou a rápida expansão do consignado para trabalhadores do setor privado: “Em três meses emprestamos R$ 16 bilhões, 40% do volume de um programa que levou 20 anos”. O passo seguinte, disse, é destravar o financiamento imobiliário para classe média: “Temos uma avenida para percorrer”. Banco Central, Ministério das Cidades e Caixa estão finalizando novos instrumentos de garantia para reduzir juros e impulsionar a construção civil.

Política monetária e cenário externo

Questionado sobre a elevação recente da Selic, Haddad afirmou que o aumento “foi contratado” ainda na última reunião comandada por Roberto Campos Neto e que “não dá para dar cavalo de pau em política monetária”. Apesar da taxa “muito restritiva”, ele aposta na queda da inflação de alimentos e na robustez do setor externo brasileiro para sustentar a expansão econômica. O ministro garantiu que o conflito no Oriente Médio tem impacto limitado sobre o Brasil, exportador de petróleo e líder em biocombustíveis.

2026 no horizonte

Ao comentar o próximo ciclo eleitoral, Haddad afirmou que o governo não repetirá a “bagunça” fiscal de 2022: “O governante que achar que estragando as contas públicas vai resolver o problema, erra”. Pregou responsabilidade para fortalecer o legado do presidente Lula, favorito para disputar a reeleição. Já sobre uma possível candidatura própria em São Paulo, foi enfático: “Não tenho intenção de ser candidato em 2026”.

A entrevista de quase 42 minutos mostra a estratégia da Fazenda: reforçar a narrativa de responsabilidade fiscal combinada com justiça tributária – cobrar de quem pouco ou nada contribui e aliviar quem sustenta o sistema. Resta saber se o Congresso aceitará a conta apresentada pelo ministro ou persistirá, como ele próprio definiu, “o morador da cobertura que não paga o condomínio”.

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