Rondônia: os diamantes das desilusões


      Por: Abmael Machado de Lima
No final da década de 1940, Clodomiro Queiroz de Lima (o Amiguinho), uns dos poucos moradores do pequeno lugarejo situado na margem esquerda do Rio Ji-Paraná, denominado Vila Rondônia, sobrevivia da prática do comércio ambulante (regatão), descendo e subindo esse rio, em sua canoa vendendo, comprando ou trocando com os ribeirinhos, produtos importados, por borracha, castanha, andiroba, copaíba, couro e pelo de animais silvestres revendendo-os para os exportadores. Ele tinha sido garimpeiro, sempre pesquisava, descobrindo em 1948, formas de diamantes no cascalho do leito desse rio.
No ano seguinte (1949), em parceria com os garimpeiros Djalma Santos, Ernesto E. Silva, Alfredo de Oliveira e Enjolras de Araújo Veloso, este último, empregado da empresa Rocha & Costa gerenciada por Caetano Silva Costa Junior, sócio do Clodomiro Queiroz, o qual repassou aos citados garimpeiros um aparelho de garimpagem (escafandro), para a cata das pedras preciosas.
Esses iniciaram as pesquisas de diamantes nas proximidades da Cachoeira Dois de Novembro sem obterem êxito. Transferiram-se para Cachoeira Idalina, vários quilômetros acima da primeira, conseguindo uma produção de 64 quilates de diamantes de primeira qualidade, proporcionando-lhes pagar todas as despesas e compromissos assumidos, e ficarem com um saldo compensador. Assim tinha início a garimpagem de diamantes no rio Ji-Paraná.
O Amiguinho enviou uma carta a um seu amigo garimpeiro, em Roraima, de onde ele era oriundo, cientificando-lhe sobre a comprovada existência de diamantes no vale do Ji-Paraná. Esta foi lida em alta voz para os garimpeiros do acampamento do rio Maú. A notícia se espalhou célere pelos garimpos de Roraima e de Mato Grosso.
SERINGALISTAS X GARIMPEIROS
No início de 1950 os garimpeiros oriundos de Roraima, subiram o Rio Ji-Paraná surpreendendo os seringalistas proprietários de seringais no seu vale e donos do rio, como assim se julgavam, em especial os sediados em Dois de Novembro, onde se encontrava (e se encontra) a cachoeira com a mesma denominação, obstaculizando totalmente a navegação fluvial, sendo contornada por uma estrada com 18 km, até Tabajara, da qual prosseguia o transporte via fluvial, em lancha, num percurso de dois dias alcançando São Félix, outra grande cachoeira seguida por tantas outras, à transpor até vila Rondônia, tráfego difícil e penoso. A esses obstáculos naturais, somava-se a reação contrária dos seringalistas ao que consideravam ato de invasão indébita aos seus feudos, tentando impedir os garimpeiros se estabelecerem, bem como prosseguirem viagem rio acima, os detendo em Dois de Novembro o primeiro intransponível obstáculo a transpor, o qual os favorecia impor seu intento, visto que, a estrada que contornava a cachoeira, o caminhão que a percorria até Tabajara e a lancha que a ligava a São Félix eram de propriedade da empresa Rocha & Costa, tendo seringais nesta área, com sede em Angustura, administrado pelo senhor Caetano Costa, totalmente hostil aos garimpeiros. Estes confiantes em seu adágio, o de que: “onde desce água, garimpeiro sobe”, não desistiram de seu propósito, o de subir o rio Ji-Paraná até Vila Rondônia e desta alcançar sua cabeceira. Para tanto, derrubaram árvores samaumeiras e dos tronos construíam canoas, nestas em pequenas grupos de três a seis pessoas com seus viveres e equipamentos, se aventuravam empreenderem o trajeto de mais de 20 dias, no curso de d’água por eles desconhecido, até alcançarem os objetivos programados. Outros resolviam seguir a pé com o mesmo destino atravessando a floresta, arrostando perigos maiores que as cachoeiras e corredeiras, as feras e os índios. Uns destes, os garimpeiros Marcelo e o João Cavalcante, este com a mulher e os filhos, caminharam 32 dias de Porto Velho à Vila Rondônia, escaparam de terem servido de laudo pasto para uma onça, que os atacou à noite, por terem a sorte de a esmo, na escuridão, acertado um tiro na gatona e mais por ser esta muito velha, sem a devida agilidade, faltando-lhe alguns dentes e as unhas quebradas, como eles constataram ao amanhecer.

Dos garimpeiros que subiram o rio em suas próprias canoas se instalando em Pimenta Bueno, encontrava-se o Raimundo Gomes da Silva*, o qual acompanhado pelo seu filho Antônio e seu sobrinho Carlindo, em sua canoa remaram de Tabajara às nascentes do Rio Pimenta Bueno. Ficou famoso por sua forma de admoestar seus companheiros de trabalho. Sendo evangélico, nos fins de semana aonde havia aglomeração de pessoas, ele chegava e pedia silêncio e atenção para ouvirem a palavra de Deus. Do alforje retirava a Bíblia e advertia “Esta ensina o caminho da vida e da salvação”. Retirava da cintura o taurus 38, lembrando: “Este o caminho da morte e do inferno”. O trabuco e sua compleição física de quase dois metros de altura e largura, eram mais que convincentes para se fazer ouvir por todos com a máxima atenção.
Dentre os numerosos garimpeiros vindos de Roraima, encontrava-se o Abel Neves, um líder nato, importante protagonista na história do surgimento e desenvolvimento da cidade de Ji-Paraná.
A quantidade de garimpeiros em Dois de Novembro crescia desordenadamente, com os que chegavam em maiores números, vindos de Roraima, havendo risco de iminente conflito em conseqüência da intransigência dos seringalistas, que os considerava vândalos, desordeiros, predadores, prejudiciais à manutenção da ordem vigente nos seringais. O governo, ao contrário, os via como uma nova classe trabalhadora que surgia no Território, fomentando o seu progresso e o seu desenvolvimento econômico. Porém não podia se posicionar declaradamente, contra os seringalistas imprescindíveis aliados políticos. Para superar o impasse o governador Jesus Bulamarque Hasanah (1952/1953) criou o Serviço de Recuperação do Ji-Paraná (SEREJIPA), com sede em Tabajara, administrado pelo tenente da guarda territorial, José Cristino, dispondo de dois caminhões, lanchas e batelões para transportar os garimpeiros.
Em 1952 haviam uns dois mil garimpeiros vindos pelo rio Ji-Paraná e pelo varadouro da linha telegráfica, instalando suas balsas apoiadoras dos mergulhadores em escafandro, desde a cachoeira Idalina desse citado rio, até os altos cursos dos rios Pimenta Bueno (Apidiá) e Comemoração de Floriano, garimpando diamantes graúdos e finos, em maiores quantidades nos locais Seco do Brasil, Riozinho, Roncador, Pilões e Seco do Açaí, nos quais também se concentravam as maiores aglomerações de exploradores.
Os garimpeiros instalaram dois arraiais de comercialização dos diamantes, um em Vila Rondônia e outro em Pimenta Bueno, construíram as casas para suas famílias, barracões para solteiros, campo de pouso para os pequenos aviões dos capangueiros (compradores de diamantes) provenientes de Mato Grosso, onde os vendiam como produtos dos garimpo desse Estado.
Os dois lugarejos que até o final da década de 1940, eram habitadas por uns 30 moradores, cada um, em 1952 seus moradores respectivamente, somavam 2.000 habitantes. Os comerciantes que vivem em função do garimpeiro instalaram sua tabernas, seus bares e cabarés, residências das mulheres livres.
ÍNDIOS X GARIMPEIROS
Os garimpeiros que se deslocaram a partir de 1952, dos garimpos do alto Rio Paraguai para os do Rio Ji-Paraná, o faziam enfrentando grandes perigos tais como os lobos famintos dos campos e cerrados, as onças da floresta e os índios hostis.
O primeiro grupo de 20 aventureiros, do qual participava o Roberto Cazenave, um jovem francês de apenas 18 anos de idade, era conduzido por Artur Gusmão (ex-comprador, vendedor e condutor de gado vacum e muares das fazendas das proximidades de Cuiabá para os seringais do Ji-Paraná (1947/1950), várias vezes sendo atacado pelo Nhambiquaras), saíram do alto Paraguai em um caminhão dirigindo-se para a Vila de Utiariti e desta para Pimenta Bueno, a pé, pelo varadouro da linha telegráfica caminhando 230 km, durante 30 dias. Ao se aproximarem do Rio Roosevelt foram atacados pelos Nhambiquaras, do confronto de balas contra flechas, resultou em os índios matarem dois garimpeiros, um dos quais o Dorvalino, que havia se distanciado à frente do grupo, foi encontrado crivado de flechas e retalhado à faca. Suas vísceras retiradas por duas índias as colocando num balaio, ao serem surpreendidas evadiram-se do local, abandonando o balaio cheio com as tripas escorridas. Cena cruel, macabra que apavorou seus companheiros. Finalmente, no fim do mês de julho (1952), chegaram a Pimenta Bueno. O perigo não arrefecia o ânimo dos garimpeiros, em número cada vez maior, vindos de Mato Grosso, percorrendo o território de domínio dos aguerridos Nhambiguaras e Suruis, em busca dos cobiçados diamantes do Rio Ji-Paraná e dos seus formadores os rios Comemoração e Pimenta Bueno, que os tornaria ricos, a exemplo do Artur Gusmão que no estio de 1952, na vazante das águas dos rios, garimpou quase 2.000 quilates de diamantes entre as quais, uma pedra com 31,40 quilates, a qual vendeu por Cr$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil cruzeiros), permitindo-lhe a substituir a profissão de garimpeiro pela de empresário comerciante bem sucedido.
A garimpagem de diamante foi bastante proveitosa no período de 1952 a 1955, declinando a partir de 1956. Conseqüentemente, os mais de 2.000 garimpeiros foram se retirando desiludidos, para outras paragens, e os que optaram e a permanecer no Ji-Paraná, mudaram de profissão e de atividades econômicas.
Os garimpeiros da década de 1950, estiveram próximos da maior jazida diamantífera no mundo, mas não a viram. Alguns dos participantes desta etapa história, econômica e social, de conquista e ocupação do Vale do Ji-Paraná: Clodomiro Queiroz de Lima (o Amiguinho) descobridor da existência de diamantes no leito do Ji-Paraná; Abel Neves; Raimundo Gomes da Silva; Djalma Santos; Ernesto E. Silva; Alfredo de Oliveira; Enjolras de Araújo Veloso1; João Cavalcante (O João Garimpeiro); Roberto Cazenave2; Artur Gusmão; Luiz Cipriano (o sem tabela); Marcos da Luz; Flávio Queiroz; Balateiro; Raul Moreda; Marcelo Milhomens; Passarinho do Ubirajara; Manelão; Marcelo; Gerson Moura Barros; Santos Tataira; Dorvalino, e Domingo Antônio (Domingão).
Estes são alguns dos cem garimpeiros que optaram em mudar da aventureira profissão, se estabelecendo na Vila de Rondônia, dedicando-se à outras atividades econômicas, juntando-se aos seus pioneiros habitantes seringalistas, comerciantes, funcionários do DCT (Telegrafistas e guardas fios), sacerdote (Pe. Adolfo Rohll), e os práticos de navegação fluvial.
Destacando-se entre os primeiros e os segundos, Walmar Meira Paes Barreto, Manoel Vicira, José Bezerra de Barros, Vicente Cavalcante, José Eduardo, Luiz Mário Pereira de Almeida, Alberto Pires, Raimundo Ferreira dos Santos, Eduardo Barros, os Cantanhedes, Paulo Araújo. Foram os desbravadores do Vale do Alto do rio Ji-Paraná e fundadores da progressista cidade que ostenta seu nome.

*Pai do professor Amizael Gomes da Silva, vereador/PVH, Deputado Estadual – Presidente da Assembleia Legislativa/RO, escritor, poeta, membro da Academia de Letras/RO.

Texto publicado no jornal eletrônico Gente de Opinião em 11/06/2011

Por: ABNAEL MACHADO DE LIMA é ex-professor de História da Amazônia – Universidade Federal do Pará e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia.

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