Democracia, é um dos piores regimes!

Pobreza Mundial "Fotos impactantes" - Taringa!Por: Jenner Barreto Bastos Filho
Já se repetiu mais de uma vez a ideia segundo a qual a democracia é o pior regime somente perdendo em ruindade para todos os demais que são ainda piores que ela. Obviamente, todas as ditaduras e tiranias, não importando de quais lavras, são muitíssimo piores do que as mais imperfeitas democracias. Ao se ressaltar o caráter deficiente das democracias, mesmo tendo em mente as melhores que possam existir, o que se afirma é que somente existem democracias imperfeitas. Não há democracias perfeitas e se miramos o ideal como meta inalcançável, isto se dá porque as utopias, embora tanto necessárias quanto inalcançáveis, são como as estrelas. Sem elas o nosso caminhar noturno seria, como diria o poeta, enormemente triste. Em palavras mais sóbrias, o ideal tem que ser mirado não porque ele seja atingível e sim para que sejam providos os meios e compromissos para que venhamos a construir o melhor mundo real possível. Até então, nada a nos causar espanto, pois sabemos do caráter imperfeito da espécie humana, circunstância esta que nos condena, no melhor dos casos, à necessidade de correção de nossos erros em eterna recorrência.

    
Admitir a essencial imperfeição humana e com esta a essencial imperfeição das instituições criadas pelo homem, obviamente, não deve dar vazão à tese niveladora por baixo segundo a qual todas as opções seriam igualmente más. Definitivamente, elas não são. Há opções infinitamente piores que outras, ainda que a melhor das opções ainda seja imperfeita. Dito isso, ressaltamos como muito negativas as opiniões que desprezam ingênua e maldosamente as instituições como por exemplo, “com os deputados que temos, é melhor fechar o congresso”, “com os juízes que temos, é melhor acabar com a instituição da Justiça”, “com os professores e profissionais da saúde que temos, é melhor fechar as escolas, as universidades, os hospitais e postos de saúde” e “com a segurança que temos, é melhor dispensar as polícias”. De fato, não precisaremos grande esforço para concluir acerca da insensatez de pareceres do gênero. Ora, ainda que seriamente imperfeito, um mau congresso é infinitamente melhor do que congresso nenhum, pois congresso nenhum significa simplesmente ditadura e com esta o império do unilateralismo, da repressão e da mais completa falta de controle por parte do cidadão. Da mesma forma, ainda que a Justiça real constitua-se em instituição ainda precária, a sua ausência seria muitíssimo mais precária, pois sem ela instituir-se-ia a barbárie pela simples razão de que nos faltaria a imprescindível instância para dirimir conflitos. Na mesma linha, diríamos também que ainda que precários, viveríamos ainda muitíssimo pior se não existissem escolas, universidades, hospitais e polícias. Neste caso extremo, instituiríamos a mais completa barbárie, na medida em que o analfabetismo, as doenças e o crime organizado proliferariam e tudo o mais seria devastado. A democracia então deve ser vista como processo. E como processo ela pode evoluir e se aperfeiçoar, mas também, infelizmente, pode regredir.

A presente democracia em tempos globalizados se encontra ameaçada. Não propriamente pela sua essencial imperfeição enquanto empreendimento humano, mas principalmente pelo caráter exacerbado e assimétrico do poder exercido por alguns atores sociais com relação aos demais atores que também são protagonistas no processo. Falamos das grandes corporações inclusive de redes de corporações que transcendem fronteiras nacionais. Alex Carey nos advertiu que o século XX foi caracterizado por três instâncias: (i) o desenvolvimento da democracia; (ii) o crescimento do poder das grandes corporações; e, (iii) o crescimento da propaganda das grandes corporações como meio de proteger o poder corporativo contra a democracia.

É necessário estarmos atentos. Para que venhamos a fazer uma crítica refletida acerca dos graves conflitos de interesse que existem, e para que possamos agir de maneira consequente, acreditamos que devemos assumir de antemão uma posição de distanciamento tanto da recusa e ojeriza sistemática da Ciência e da Tecnologia (C&T) quanto de aceitação cega e apologética de qualquer que seja o desenvolvimento das modernas C&T. O controle social organizado por parte de instituições independentes tem um papel muito importante a desempenhar e tanto melhor informado e munido do exercício da reflexão ele for, tanto melhor para a democracia e para a educação dos cidadãos. 

Por: Jenner Barretto Bastos Filho é professor na Universidade Federal de Alagoas e Doutor em Física Teórica pela ETH- Zurique, Suíça. É membro correspondente da Academia Paraense de Ciência e contemplado com a Medalha do Mérito Acadêmico UFAL 45 Anos. Tem interesse nos campos de Fundamentos da Física, Ensino de Ciências, História e Filosofia da Ciência e em questões ambientais e de desenvolvimento.

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