Estou cansado de ver gente caída pelas calçadas. Já me imaginei um
fotógrafo registrando essas imagens, especialmente aquelas em que o
“mendigo” dorme em frente a uma agência bancária. Em seguida faria uma
exposição intitulada: “O país dos homens caídos”. Tem
crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos e de todas as
cores; às vezes famílias inteiras. Perto de onde moro, durante um tempo,
morou uma velhinha que lembrava minha avó. É um desperdício de vida.
Nosso país, nosso tipo de civilização baseada na lógica do capital, é
uma máquina de triturar destinos pessoais.
Por: Fernando Antonio C. de Carvalho
E o que é que a sociedade ou o Estado tem feito diante desse fato:
escorraçar os “moradores” de rua. Os expedientes são os mais absurdos,
já vi um edifício que criou um sistema hidráulico que joga água na
calçada, durante a noite, para evitar os candidatos a dormir embaixo da
marquise. O próprio movimento de retirada das marquises não obedece
apenas ao cuidado causado pela queda de marquises que já ceifou muitas
vidas para vergonha da construção civil brasileira.
É também para retirar o abrigo “natural” dos que dormem no chão. Por
baixo das passarelas do Aterro do Flamengo há pedras pontiagudas
afixadas com cimento, além de luzes.
Nos Estados Unidos surgiu o banco de praça à prova de mendigos, um
banco abaulado que não permite que uma pessoa deite para dormir. Essa
moda chegou ao Rio de Janeiro, os bancos de pontos de ônibus são de
metal, com 15 centímetros de profundidade e inclinados.
Mesmo assim esses bancos estão sendo retirados. Os bancos de praça
também estão sumindo. Em frente ao Hospital dos Servidores do Estado
(HSE) na área portuária que está sendo reformada há uma praça enorme
recém construída sem um banco sequer.
Dentro do Túnel Velho, em Copacabana, vivem umas dez pessoas, lá
também tenta-se afastar esse povo com luzes fortes. Foi colocado
refletores a cada cinco metros, cada um com capacidade de iluminar uns
cinqüenta metros. Certamente o Túnel Velho é o túnel mais bem iluminado
do mundo. Mas isso não foi suficiente para expulsar as pessoas, elas
dormem sob a luz desses refletores fortíssimos e, pior que isso, ouvindo
o barulho dos motores dos carros, ônibus e motocicletas, e cheirando
gás carbônico. Me pergunto se o que foi gasto com esses refletores, a
conta de luz no final de cada mês e o custo de manutenção não daria para
pagar dez quartos de um hotel barato para hospedar esse povo.
O pior disso tudo é a mensagem que passa, é como se a sociedade e o
Estado dissesse para essas pessoas “vocês não são bem-vindos”, “fora
daqui!”.
São personas non grata. E não pessoas roubadas em seus direitos
humanos mais elementares, roubadas, literalmente, pela sociedade e pelo
Estado. Quando um mendigo toma uma garrafa de cachaça, o governo recebe o
imposto sobre o consumo e o comerciante que vendeu lucra.
E tal mensagem, tal recado, termina funcionado como um sinal verde,
uma carta branca, uma autorização para que a sociedade jogue duro com o
povo de rua e faça uso seja de um pó-de-mico, seja cacos de vidro, graxa
ou pregos para expulsar o povo de rua dos locais que lhes resta para
cair.
O climax dessa história é previsível: pode ser a expulsão de
mendigos, procedimento nazista que já foi posto em prática por algumas
prefeituras do sul do país; e finalmente a matança de mendigos à
pauladas ou tiros, como já ocorreu em São Paulo, ou ainda, atear fogo
nesse pessoal, como também já aconteceu em Brasília; iniciativa dos
filhos da classe média que imolaram o índio Galdino Jesus dos Santos,
pensando que tratava-se de um mendigo. E agora essa exuberância
irracional de pura barbárie que foi o caso do menino preso como num
garrote vil a um poste.
O povo de rua é o refugo do funcionamento da máquina capitalista. E
tocar fogo nesse lixo humano é o que o regime tem para apresentar. O
capitalismo é um cadáver ambulante que esqueceram de enterrar.
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