Quatro meses se passaram desde o início
das grandes manifestações de junho. Uma eternidade na política. Dilma Rousseff
termina 2013 fortalecida. O Movimento Passe Livre (MPL), estopim dos protestos
que acabaram mirando não só, mas também a presidente, enfraquecido.
Por: Luiz Carlos Azenha
Dilma reagiu mas, como escreveu Maria Inês Nassif,
também contou com circunstâncias sobre as quais não tinha controle. A reação corporativa
ao Mais Médicos, por
exemplo, suscitou um debate nacional que acabou ajudando a legitimar o programa
emergencial. A oposição atacou falando em improviso, depois de 10 anos do PT no
poder, mas na célebre frase recém-lembrada por um governista, para quem recebe
atendimento dos médicos cubanos não importa a cor do gato, desde que cace o
rato (a frase foi usada durante o debate sobre o leilão de Libra, onde a cor do
gato realmente não importa, mas para onde eleleva o
rato).
O povo na rua mexeu com as instituições,
mas desde então o foco da mídia, especialmente a televisiva, se concentrou no
espetáculo dos “confrontos” associados à tática black bloc. Não é por acaso
que, segundo pesquisa Datafolha, 95% dos paulistanos rejeitam hoje a ação dos
mascarados. A selvageria contra o coronel Reynaldo Simões Rossi, em São Paulo,
na noite de sexta-feira, acabará respingando no MPL por associação. Ainda que
involuntariamente, a tática black bloc fez com os movimentos sociais o que nem o famoso “assassinato dos laranjais” pelo MST,
numa fazenda do interior de São Paulo, em 2009, conseguiu, pelo menos em parte
significativa da opinião pública: provocar ojeriza aos protestos. Ponto para a
modernização conservadora.
Antes do leilão de Libra e de viajar
para a África, o ex-presidente Lula condenou a ação black bloc. No dia do
leilão, dada a enormidade do que estava em jogo, havia pouca gente nas ruas do
Rio. A cobertura da mídia focou nos que se moviam protegidos por escudos em
direção ao hotel-sede da partilha do pré-sal. As imagens que dominaram a
cobertura foram as dos enfrentamentos. Não houve tempo na mídia para o debate
do que estava em jogo. Nem antes, nem durante, nem depois. Ponto para a presidente
Dilma, que ocupou o centro, a voz da razão, entre a Força Nacional e os
mascarados.
Dado o que a grande mídia mostrou das
ruas nos últimos quatro meses, Dilma representa hoje, mais do que nunca, a
mudança lenta, gradual e segura que agrada à base social do lulismo, na
definição de André Singer. “Mudança na qual se pode confiar”, parafraseando o
slogan de campanha de Barack Obama. É justamente esta base, garantidora do
sucesso eleitoral contínuo da coalizão governista, o foco do Mais
Médicos e de outras
medidas tomadas pelo Planalto nos últimos meses. Ela não é de “esquerda”, nem
mesmo “petista”. É entre ela e a tradicional base do partido nos sindicatos e
movimentos sociais que Dilma se move.
Dilma recolheu dividendos políticos e
eleitorais mesmo do leilão de Libra, onde sofreu críticas à esquerda:
1. Adeus às capas da Economist e às críticas do Financial
Times. Os investidores estrangeiros queriam mais, muito mais —
e só ler a mídia tradicional para saber quanto –, mas com a anglo-holandesa
Shell firmemente instalada em Libra também para eles Dilma representa alguém
que “deliver”, ou seja, com a qual é possível fazer negócios com segurança e
previsibilidade. Num quadro de crise econômica e de domínio das estatais sobre
as reservas de petróleo, são raríssimas as oportunidades como a que se abriu no
Brasil.
2. O Planalto foi muito hábil ao
apresentar, em rede nacional de TV, os resultados do leilão. O discurso de
Dilma foi escrito de tal forma a comunicar aos brasileiros que, se não tivesse
havido o leilão, eles não teriam acesso a todos aqueles benefícios bilionários
do pré-sal. Em resumo: sem leilão, sem dinheiro. Riqueza enterrada para sempre
nas profundezas do mar. O brilhantismo da tática é que ela legitima todos os
próximos leilões do petróleo. Serão — os leilões, não o pré-sal em si — a fonte
de nossa riqueza. Ela não virá das ruas — de onde só podemos esperar os
“malditos” mascarados — mas da firmeza presidencial, que paira sobre os
conflitos e nos traz resultados práticos. A disputa privatistas-não
privatistas, que marcou 2010, é coisa do passado. Amaury Ribeiro Jr. vai morrer
de fome se depender doPrivataria
Tucana 2. Agora a disputa é entre quem está capacitado ou não
para nos proporcionar a riqueza do pré-sal. Ponto para Dilma.
3. Ao adotar o discurso do
“razoável”, Dilma negou aos adversários o espaço político onde as eleições são
decididas no Brasil: o centro. De tal forma que levou Aécio Neves, do PSDB,
aquele partido que vendeu a Vale e acabou com o monopólio do petróleo, a adotar
um discurso eleitoralmente pouco plausível por vir de quem vem:
O senador Aécio Neves defendeu,
nesta terça-feira, em Brasília, a reestatização da Petrobras. A declaração foi
dada no seminário promovido pelo PSDB para discutir a situação da empresa.
Aécio Neves destacou que a Petrobras foi partidarizada e aparelhada pelo
governo do PT nos últimos dez anos, acarretando perda de eficiência e de
competitividade à empresa e prejuízos ao Brasil. “Não vamos permitir que o
Brasil continue iludido pelo ufanismo da propaganda oficial. Estamos
assistindo, ao longo dos últimos dez anos, uma perda enorme de competitividade
da empresa. É preciso que alertemos o Brasil das consequências perversas
no valor da Petrobras, que atinge de 55 mil trabalhadores que investiram em
suas ações e perderam metade do valor”.
4. Se havia dúvidas quanto à solidez da
aliança PT-PMDB, elas foram desfeitas. A parceria com o Centrão do senador José
Sarney — representada pelo ministro Edison Lobão — segue firme e forte,
especialmente em torno do setor de energia, dominado por grandes financiadores
de campanha: empreiteiras, mineradoras, fabricantes de turbinas, empresas de
serviços ligadas à exploração do petróleo. É “mudança na qual se pode confiar”
em torno de grandes projetos de infraestrutura que rendem bilhões e bilhões de
reais.
5. Com o sinal de que o Brasil está
aberto aos negócios, Dilma foge do figurino de “estatista” que se tenta colar
nela e ajuda a incorporar à base tradicional do PT setores de classe média que
poderiam gravitar em direção a Eduardo Campos e, na prática, funcionam como
contrapeso na coalizão governista ao sindicalismo e aos movimentos sociais. É o
fenômeno que explica o fato de gente que nunca militou no PT, nem tem relação
com a história do partido, hoje se colocar na posição de acusar os petroleiros
— logo os petroleiros! — de corporativistas e oportunistas. Dilma, feito Lula,
faz a arbitragem interna desta disputa expandida. É a mediadora. O senso comum
nem sempre está certo, muitas vezes encobre a verdade, mas nos debates
superficiais e ligeiros da Era das Redes Sociais, é uma poderosa ferramenta
eleitoral.
Quatro meses se passaram desde o início
das manifestações que chacoalharam a cena política brasileira. Se Dilma ainda
não recuperou totalmente a popularidade que tinha antes, parece a caminho. A
campanha de 2014 será dura, com o antipetismo reforçado pela adesão de Eduardo
Campos. Mas o grande risco para Dilma, que era o retorno de manifestações
populares antes e durante a Copa do Mundo, parece definitivamente afastado.
Desmoralizado. Quanto às disputas internas no PT, não há nada que uma vitória
eleitoral não consiga resolver.
Por: Luiz Carlos Azenha, Via: Viomundo
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