O Romanée-Conti é o vinho mais cobiçado do mundo, símbolo de status,
riqueza, poder e manifesta ostentação. Muitos séculos de história
alicerçam essa condição. No ano 1131, o Duque de Borgonha cedeu suas
terras ao Mosteiro de Saint-Vivant. Em 1790, o já famoso vinhedo foi
vendido a Louis-François de Bourbon, príncipe de Conti que disputou a
compra com Madame Pompadour. O príncipe destinava toda a produção para
seu consumo pessoal (e dos amigos, claro). O príncipe com a cara cheia
de vinho devia aprontar, tanto que foi preso durante a Revolução
Francesa. A denominação Romanée-Conti data de 1794. E a família Villaine
detém a propriedade do terroir desde 1911.
Por: Fernando Antonio Carneiro de Carvalho
Eça de Queirós chegou a dizer que por causa deste vinho um filho
cometeria o parricídio. Um documento histórico da época do terror da
Revolução francesa refere-se ao vinho como a “um bálsamo para os idosos, os frágeis e os deficientes, devolve a vida aos moribundos”.
O vinho desde os tempos bíblicos sempre foi usado como medicamento. O
bom samaritano cuidou do seu próximo que fora assaltado e espancado com
vinho e azeite.
Já se escreveu sobre o Romanée-Conti como “uma mão de ferro em luva de veludo”, por aliar estrutura e maciez. Robert Parker, um crítico de vinho notório por sua análise fria e precisa percebeu no vinho “aromas celestiais e surreais”.
Costuma-se dividir os enófilos, os amantes do vinho, em dois grupos:
os que provaram o Romanée-Conti e os que morrerão sem sentir-lhe o
bouquet. O atual dono do terroir, Albert de Villaine tem uma
idiossincrasia, só atende quem gosta de vinho. Deixou de receber Giscard
d’Estaing porque ele não gostava de vinhos. Não recebeu também o
presidente do Cazaquistão pelo mesmo motivo, embora se tratasse de um
homem muito rico. E disse que receberia o Lula se ele amasse o vinho.
Lula todos sabem bebeu um Romanée-Conti, safra 1997, pago por Duda
Mendonça para comemorar a vitória na campanha à Presidência da República
em 2002. Lula até que achou o vinho gostoso, mas ele prefere
caipirinha. Detalhe, o dono do restaurante emoldurou a garrafa vazia e
colocou na parede, mas depois um larápio furtou-a.
Aqui no Brasil monsieur Villaine jantou com Paulo Maluf durante a
primeira visita que fez ao nosso país, em 1993. Paulo Maluf simplesmente
coleciona Romanée-Conti de diferentes safras. Villaine diante da
quantidade e variedade de vinhos do seu “monopólio” na adega de Maluf
teria comentado: “Só vi isso em país subdesenvolvido”. O Brasil com efeito é o décimo consumidor mundial do precioso néctar, consome 80 caixas por ano. E arrematou de Villaine:
“Não é meu estilo, vinho é para ser bebido e não colecionado ou leiloado”.
Moral da história o Romanée-Conti na verdade é um vinho ao qual só
tem acesso os ricos e os corruptos (duas faces da mesma moeda).
Albert de Villaine discorda da especulação em torno do Romanée-Conti.
Em 1978, uma única garrafa da safra de 1978 foi vendida por 24 mil
dólares. Mas o fato é que o precioso vinho já virou investimento. Uma
garrafa de uma boa safra pelo menos quadruplica seu valor em dólares em
dez anos. O Romanée-Conti é vendido em caixas de 12 garrafas onde apenas
uma delas é o próprio.
Depois da história do Romanée-Conti do Lula, petistas criaram um site
chamado “romaneecontiparatodos”. Monsieur Villaine achou graça, mas
dizia que: “É impossível fazer Romanée-Conti para todos” (…)
“As entre 4 e 6 mil garrafas de cada safra são disputadas por sheiks,
reis e ricos”. É claro que uma mitologia alimenta isso tudo. O crítico
de vinhos da revista Gula, Guilherme Rodrigues, diz que “De cada dez safras de Romanée-Conti, uma realmente vale o preço”.
O La Tache (que juntamente comRichebourg, Grands Échézeaux, Échézeaux,
Romanée-Saint-Vivant e Le Montrachet) compõe o “assortiment” (pacote de
doze garrafas) às vezes sai melhor que o Romanée-Conti. Um outro crítico
de vinhos disse que 50 dólares paga a garrafa de qualquer vinho, acima
desse valor a pessoa está pagando pela grife. Também podemos pensar nas
coisas enquanto funcionais: uma caneta serve para escrever, um carro
para deslocar as pessoas e cargas de um canto para outro. A Ford já teve
um carro chamado Mondeo um mesmo carro que era vendido em todo o mundo.
A divisão das coisas em “classes” geralmente se baseiam em
atribuir-lhes atributos artificiais, uma caneta cravejada de brilhantes
por exemplo. Para justificar a sociedade em que ricos e corruptos possam
parecer melhor que o comum dos mortais.
Por: Fernando Antônio Carneiro de Carvalho é historiador, formado pela Universidade Federal Fluminense, autor do livro “Açúcar, o perigo doce”.
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