Fundeb 2025: avanços, desafios e a busca por mais equidade na educação do Brasil

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Indo além do olhar para a complementação da União, a grande inovação neste ano é a entrada conjunta em vigor de dois fatores que tornarão o fundo muito mais equitativo: o ponderador de equalização fiscal e o de nível socioeconômico do ente, que irão redistribuir de forma mais justa os recursos do Fundeb entre as redes de ensino dentro de cada estado

Ainda no ano de 2020, a principal política de financiamento da educação passou por uma sensível transformação. Com a Emenda Constitucional nº 108, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi reformulado para ser perene, ampliado e promover mais intensamente a equidade educacional. Engana-se quem pensa que todas as mudanças foram promovidas de uma tacada só: as inovações têm sido implementadas incrementalmente, e o ano de 2025 traz aprimoramentos relevantes de alto impacto.

O Fundeb funciona como um sistema circulatório da educação, redistribuindo recursos financeiros para e entre os sistemas estaduais e municipais de educação, fundamentalmente em função do número de alunos matriculados. Vigorando desde 1997 1 , o Fundeb é referência internacional de sucesso de um programa garantidor de padrões mínimos de financiamento de políticas sociais e de redução de desigualdades territoriais e federativas.

Sua evolução a partir de 2020 abarcou, logo de cara, novas regras de transparência e uso dos recursos financeiros, fruto de 5 anos de debate público. Mas o processo de implementação foi intencionalmente desenhado para ser incremental, de 2021 a 2026, permitindo que a entrada em vigor de novos mecanismos fossem progressivamente assimilados pelas redes de ensino.

Os recursos federais aportados aos estados e municípios que mais precisam – a chamada complementação da União – têm sido ampliados ano a ano, passando do mínimo de 10% do total de recursos dos estados e municípios, para 23%, percentual a ser alcançado em 2026. Na prática, isso significou até aqui um salto substantivo: a complementação da União iniciou esse período em montante de R$ 22,8 bilhões e está prevista para chegar a R$ 56,5 bilhões em 2025 2 .

Além disso, novas modalidades de transferência federal entraram em vigor em momentos distintos para promover equidade e qualidade no ensino (em 2021 e 2023), bem como novos fatores de ponderação das matrículas foram implementados de forma sucessiva ao longo do período. O objetivo do processo paulatino é a eficácia dos mecanismos indutores, o equilíbrio fiscal e a eficiência no uso dos recursos ampliados.

O ano de 2025 pode ser considerado um ano de adensamento de mecanismos de equidade do Fundeb. Em texto publicado no Nexo PP, Adriano Senkevics argumenta que “o Fundeb de 2025 será o mais equitativo de nossa história, (…) consolidando-o como uma ferramenta poderosa para o enfrentamento das desigualdades estruturais que marcam a educação brasileira.” Além do aumento já estipulado da complementação da União ao fundo, a Comissão Intergovernamental responsável pela implementação da política aprovou o aprimoramento dos indicadores considerados na distribuição de recursos federais; novos fatores de ponderação que majoram o financiamento de matrículas no campo e em territórios indígenas e quilombolas; e, por fim, aprovou a entrada em vigor do inédito fator de equalização fiscal.

Do ponto de vista dos recursos, em 2025, a receita total do Fundeb foi estimada em R$325,5 bilhões. Destes, R$56,5 bilhões correspondem à complementação da União. A complementação será distribuída nas seguintes modalidades:


Contudo, antes de encerrar a implementação incremental dos novos mecanismos do fundo, uma alteração entrou em curso: o pacote fiscal aprovado por meio da Emenda Constitucional 135/2024, acrescentou o inciso XIV ao art. 212-A da Constituição Federal com a previsão de que, em 2025, até 10% dos valores de cada uma das modalidades do Fundeb poderão ser repassados pela União para ações de fomento à criação de matrículas em tempo integral na educação básica pública, potencialmente diminuindo assim o valor a ser repassado pela União aos entes. Isso leva a preocupações sobre o impacto na distribuição equitativa dos recursos. A forma de implementação da regra precisará ser monitorada para evitar penalização dos avanços conquistados no Fundeb.

Indo além do olhar para a complementação da União, a grande inovação neste ano é a entrada conjunta em vigor de dois fatores que tornarão o fundo muito mais equitativo: o ponderador de equalização fiscal e o de nível socioeconômico do ente, que irão redistribuir de forma mais justa os recursos do Fundeb entre as redes de ensino dentro de cada estado.

O ponderador de disponibilidade fiscal direcionará mais recursos às redes de ensino com menor montante de receitas totais destinadas à educação, mirando os recursos vinculados à educação para além do Fundeb. Isso significa que municípios e estados com menor arrecadação terão um peso maior na distribuição dos recursos, enquanto entes com maior arrecadação, e portanto com mais capacidade de investimentos, receberão proporcionalmente menos. No mesmo sentido, ponderar os recursos repassados pelo nível socioeconômico significa que as redes de ensino que atendem estudantes de famílias em situação de maior vulnerabilidade receberão mais recursos, enquanto aquelas com alunos de nível socioeconômico mais alto terão um repasse proporcionalmente menor. Isso cria um incentivo para que as redes de ensino realizem busca ativa e ampliem as matrículas em creche e em tempo integral priorizando as crianças e jovens mais vulneráveis.

Ao funcionarem conjuntamente de forma inédita, potencializam o efeito de equidade e diminuem vieses isolados de cada indicador 3 . Cálculos preliminares do IBSA (Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada) indicam que no Estado de São Paulo os indicadores de equidade permitirão uma redistribuição de R$216,4 milhões em favor das redes paulistas em maior vulnerabilidade fiscal e socioeconômica.

Ademais, como revela o já citado artigo de Adriano Senkevics, os fatores de ponderação que já eram utilizados por etapa, modalidade e tipo de ensino foram revistos e atualizados para 2025, de modo a refletir de forma mais fiel a diversidade dos custos de oferta das matrículas. Destaca-se que foram ampliadas as ponderações de matrículas da educação índigena, quilombola e do campo, que agora passam a ser fatores multiplicadores pró-equidade dos demais fatores de ponderação. Essa medida visa corrigir defasagens históricas, garantindo maior financiamento para estudantes em contextos de maior vulnerabilidade.

Por fim, o ano de 2025 marca o amadurecimento do poder indutivo da complementação-VAAR, que estimula as redes de ensino a realizarem avanços normativos na educação e a alcançarem melhores resultados de aprendizagem com equidade e de acesso à escola. Por um lado, é visível que as redes de ensino têm ampliado sua compreensão sobre os critérios para recebimento dos recursos. Isso fica evidente pelo aumento de redes de ensino que cumpriram as condicionalidades 1 (critério técnico de seleção de gestores) e 5 (currículo alinhado à BNCC): entre 2024 e 2025, os percentuais de redes habilitadas nessas condicionalidades passaram, respectivamente, de 77% para 89% e de 89% para 97%. Em Rondônia e Acre, todas as redes de ensino foram habilitadas nestas duas condicionalidades.

Por outro lado, em 2025 é a primeira vez que entra em vigor a condicionalidade 2, que preconiza a participação de pelo menos 80% dos estudantes das redes de ensino nas avaliações nacionais. Temporariamente inativa devido ao fato de que o Saeb 2021 se deu durante a pandemia de Covid-19, sua operação passou a ser possível com os dados do Saeb 2023, gerando indução para que as redes ampliem a participação dos estudantes na Prova Brasil e assim apresentem resultados mais fidedignos. No total, 5.119 (91%) das redes de ensino foram habilitadas na condicionalidade II, e 476 (9%) não.

Também vale destacar que a condicionalidade 3, a mais desafiadora por estabelecer a necessidade de redução de desigualdades raciais e socioeconômicas de aprendizagem, passou por uma reformulação. Temporalmente, ela passou a avaliar a variação das desigualdades entre 2019 e 2023 (antes, o período observado era 2017 a 2021). Além disso, mudou a forma de cálculo: se antes comparava notas médias entre grupos raciais e socioeconômicos, a metodologia evoluiu para analisar os percentuais de estudantes com desempenho considerado abaixo do adequado – indicador mais pertinente para aferir equidade. Contudo, em 2025, a metodologia aprovada pela Comissão Intergovernamental do Fundeb não realiza a comparação entre os grupos raciais (pretos, pardos e indígenas, vis a vis brancos e amarelos) e socioeconômicos, mas analisa a variação do percentual de aprendizagem inadequada apenas dentro do próprio grupo vulnerável. É fundamental que tal metodologia seja aprimorada para captar a equidade como igualdade de oportunidades entre grupos sociais.

Nesse tocante, de forma inédita, o Governo Federal tornou público em janeiro de 2025 os dados para que a sociedade possa conhecer em detalhe os indicadores da condicionalidade III da complementação-VAAR, bem como as demais fórmulas de cálculo relacionadas a essa transferência. Isso permitirá a pesquisadores e organizações da sociedade civil realizarem novas investigações, bem como às redes de ensino conhecerem mais a fundo os diagnósticos sobre suas necessidades de avanço – algo essencial para a qualidade da gestão.

A partir destes dados, é possível identificar, por exemplo, que apenas 4 capitais melhoraram as condições de aprendizagem tanto dos estudantes pretos, pardos e indígenas como dos estudantes de menor nível socioeconômico: Aracaju, Goiânia, Macapá e Vitória. Também permite localizar casos como Pires Ferreira-CE, Santana do Mundaú-AL, Ararendá-CE, Cruzeiro do Iguaçu-PR e Coruripe-AL 4 , com níveis próximos de 100% dos estudantes vulneráveis com aprendizagem adequada; são redes de ensino que podem ser estudadas para impulsionar os avanços de qualidade com equidade no País.

É nítido que os novos mecanismos do Fundeb já têm dado significativos efeitos de redistribuição e indução a melhorias em processos de gestão – o que tende a resultar em avanços de aprendizagem com equidade nos próximos anos. Nesse sentido, entendemos como infundada as críticas sobre o Novo Fundeb ainda não ter promovido uma revolução na educação. Essa avaliação ignora que os mecanismos do Fundo ainda estão em fase de implementação, e que reformas educacionais exigem tempo para gerar impactos estruturais, que não ocorrem do dia para a noite. Além disso, fatores como a pandemia da Covid-19 aprofundaram desigualdades que já acumulávamos, dificultando reflexos mais rápidos. Também a ideia de que o problema da educação se resume à gestão, e não à falta de recursos, é uma visão ultrapassada, pois desafios financeiros e administrativos coexistem na realidade da educação pública brasileira – e o novo desenho do Fundo visou enfrentar ambos 5 .

Há, certamente, espaços para aprimoramento. Considerando que 2025 é o último ano pré-revisão constitucional do Fundeb, concluímos sugerindo algumas agendas de estudos e debate público para o avanço da qualidade do sistema de financiamento da educação no Brasil por meio da melhoria evolutiva do Fundeb.

Por exemplo, é importante discutir e simular mecanismos graduais para redução de distorções da complementação-VAAF (que segue chegando a alguns dos municípios mais ricos do País), além de aprimorar o cálculo do VAAT para evitar sempre que possível utilizar informações fiscais demasiadamente antigas. Também será positivo revisitar as condicionalidades da complementação-VAAR, incorporando novas induções à formação adequada dos gestores escolares, à implementação de estratégias pedagógicas de equidade em sala de aula e à implementação de ações de promoção da saúde mental nas escolas.

Por fim, nessa agenda de aprimoramentos possíveis, o Brasil pode inovar com mecanismos contracíclicos que possam ser agregados ao funcionamento do Fundeb, de maneira que esta política promova tanto sustentabilidade da trajetória dos investimentos públicos em educação como possa absorver adequadamente choques como calamidades públicas. E, fundamentalmente, poderá avançar em um caminho de promover equidade de capacidades estatais para uso eficiente e eficaz dos recursos educacionais, incentivando melhores práticas de investimento público nos Municípios e Estados.

Caio Callegari é mestre em administração pública e governo (FGV/SP), cofundador do Grupo de Estudos Econômicos em Educação (Econoeduc) e Coordenador de Inovações em Políticas do Instituto Unibanco.

Lauana Simplício Pereira é bacharela em gestão de políticas públicas, mestranda no Departamento de Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo) e assessora parlamentar na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

Ursula Peres é doutora em economia (EESP/FGV/SP), professora do curso gestão de políticas públicas da EACH/USP (Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo) e pesquisadora do CEM/USP (Centro de Estudos da Metrópole).

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