Por: Neves Cardoso
Existe ética se
cometemos o erro de confundir os conceitos? Então façamos já a diferença:
marxianos e gramscianos são os conceitos próprios de Marx ou de Gramsci;
marxistas e gramscistas são seguidores, sectários relativos a Marx (foto acima)
ou a Gramsci (foto abaixo). Isso nos permite observar que marxistas ou
gramscistas, não raro, deixam de entender algo marxiano ou gramsciano, e, por
isso, erram, interpretam, criam concepções suas, errôneas, por ignorância, e
derivam ideias sectárias ainda piores do que os erros antes cometidos por
aqueles pensadores, e formulam apenas absurdos.
O discurso político
entendido como progressista contemporâneo dedica muita atenção a promover os
direitos humanos universais como defesa contra a Globalidade/Globalização. Os
direitos humanos foram e podem ser usados para combater a Organização Mundial
do Comércio – OMC, em sentido global. Interessa saber como entendiam Marx e
Gramsci e como se podem conciliar seus conceitos de Direitos Humanos diante dessas
perspectivas.
Hoje a
característica dominante da prática de direitos humanos dá-se em termos de um
governo global das leis, um sistema que atua sobre as populações locais
intervindo, como um sistema global do capitalismo, o que pode ser visto como
máscara dos interesses capitalistas transnacionais. E, sob esse enfoque, os
direitos humanos estariam em crise. Porque o povo conquistou esse direito à
igualdade perante a lei e depois o de decidir politicamente o que essa lei
devia ser, qual era o seu lugar nesse contexto e, depois da Segunda Guerra
Mundial, os direitos foram estabelecidos contra o estado.
A partir de então,
a natureza privada e isolada de tais direitos, sofreu uma inflexão social,
porque cada um tinha como defensor o seu concidadão, as pessoas podiam exigir
seus direitos por si mesmas e eles podiam assumir múltiplas formas para ter
seus direitos respeitados individuais ou coletivamente. E essas foram as razões
de uma busca popular de justiça contra o governo vigente, ou seja, a essência
da Revolução Francesa, em que os direitos eram também seus fundamentos.
Gramsci não nos dá
razões de alegria quanto aos direitos humanos. Ele critica severamente e não dá
aval para uma política de direitos humanos. Nesse aspecto, compartilha também
com as posições de Marx que também negava a natureza popular da Revolução, e
não esqueçamos que o burgos estava fora do poder, era o arrabalde, não incluía
o artesão, o mascate e o burguês como fonte de poder, era trabalho mourisco, e
o mourejar era detestável para a nobreza associada ao clero. Assim, os direitos
surgidos e o embasamento da Revolução, nada significavam para ele, além de
estabelecer o direito de o estado proteger e fazer cumprir os direitos privados
na sociedade civil.
Sob esse enfoque,
proteger a propriedade privada significava proteger os detentores da
propriedade contra os que não a tinham. Assim, ele considerava que o estado
ignorava o fato de que os seres humanos não são uma massa abstrata, mas sim,
estavam ligados uns aos outros numa rede de relações sociais. Gramsci reitera a
crítica marxiana, como sendo a proteção do estado ao burguês egoísta e, ficando
subjacente e abstrato o indivíduo, e de forma ainda mais incisiva falou sobre a
soberania da lei. Seu contexto era a Revolução Bolchevista, e insiste que o
estado deve estar baseado na soberania popular, a luta de classe devia
estabelecer direitos verdadeiramente humanos para o indivíduo, pelo companheiro
e pela solidariedade. Daí, a palavra companheiro ter razões belicosas, como
palavra de ordem, é política e tem razões que se perdem na noite dos tempos.
A visão gramsciana
quer explicar que o discurso sobre direitos humanos é mero disfarce para a
manutenção de uma sociedade cruel e injusta, que ignora o real sofrimento dos
seres humanos. Há que se observar que existe uma teoria de Marx, uma também de
Gramsci, e ainda o que se desenvolveu de fato nas teorias dos direitos humanos
fora desses conceitos, ou melhor, preconceitos. E parecia claro que a sociedade
capitalista iria desaparecer numa revolução proletária iminente, o que não
aconteceu e nem acontecerá. A visão de Gramsci sequer passou pela ideia de uma
falência do Leste Europeu, que todos conhecem hoje com os resultados da
Glasnost/Perestroika.
Julgava ele que o
importante era o que viria com as ditaduras da desfigurada e desfeita URSS, em
fragoroso desastre social. Tanto as afirmações de Marx como as de Gramsci eram
quimeras e de pouca base social popular, mesmo tendo decorrido todo o Século
XX.
O estado
capitalista hoje tem dispositivos eleitorais introduzidos, alterados de tempos
em tempos, instrumentos regulatórios que substituíram o consuetudinário por
leis escritas centralizados no aval democrático do sistema capitalista, que não
desapareceu nem segundo a suposta concepção de determinismo histórico-materialista,
em Marx, e tampouco de Gramsci. O capitalismo continua a se reproduzir, com
suas contradições, de forma racionalizada, mesmo tendo forças de oposição
organizadas e pagas com o sacrifício do povo, mas pouco viáveis. A visão cética
de Gramsci sobre a democracia parlamentar é outro fracasso, independente de ser
tida por ele como espúria, com um tipo de ordem hegemônica subjacente, ela está
baseada em sistemas autorizados e ortodoxos da razão. Gramsci e os teóricos dos
direitos humanos contemporâneos são meramente uma voz fraca contra as garantias
democráticas de um governo embasado em leis da sociedade. Aí, falharam não só
as visões marxianas e gramscianas, senão também as marxistas e gramscistas.
Gramsci queria mudar o mundo e transformar o estado, e os direitos humanos são
formas de proteger o indivíduo, não são um modo de fazer revolução política,
por outro lado pensava em uma forma de comunismo nacionalista, um verdadeiro
choque diante do que era o conceito coletivista de Marx. Gramsci, comunista e
democrático pluralista, é uma aberração, não tem nexo comum com o movimento
coletivo, nem político, nem os de direitos humanos, ainda, sobretudo, difícil
de defender eticamente.
Para aproveitar o
contexto por que passa o Brasil de hoje, com tantas manifestações de horror a
governos e partidos, vale lembrar o que reza na Constituição do Brasil, ou
seja, que qualquer modificação nela passa pelo Congresso Nacional. Com isso,
fica implícita a noção de que, à verdade do cordeiro, sempre prevalecerá a
verdade do lobo.
Seja por meio de um
plebiscito – vontade da plebe – seja por um referendo, o que dá aos
parlamentares já diplomados a possibilidade de produzir a lei a ser aprovada, e
o povo apenas referenda, isto é, avaliza, vê-se que o povo não tem vez. Aquilo
que foi negado por Marx ou Gramsci quanto ao que sejam direitos humanos,
encontra paralelismo em qualquer proposta que venha do Governo e dos
parlamentares, pois eles não são o povo, do mesmo modo que se disse dos
burgueses no passado. Esse Governo e os parlamentares não são e não representam
o verdadeiro grito do povo no Brasil e eles sequer têm brasilidade. O movimento
das ruas, ainda que tenha gritos de nacionalismo, banditismo, rostos inocentes
de crianças não tem qualquer representação no Governo nem entre políticos e
partidos.
São gritos de
desespero, anômalos, órfãos, não estão contidos nem contêm as regras
anteriores. São apenas gritos de uma nação em desespero, sem alguém que a
represente, nem queira de fato ouvir esses gritos, haja vista que, até agora,
nada do que se fez ou falou encontrou eco na sociedade, que vem demonstrando
desapreço e fazendo com que os índices de aprovação aos governantes sejam
sempre mais baixos. Se houvesse dignidade nos ditos representantes e fossem
ouvidos tais gritos seria necessário dissolver o parlamento, convocar novas
eleições e começar tudo de modo correto. Mas isso é sonhar, sonhar que o
movimento consiga essa proeza.
Por: Neves Cardoso é marxólogo, pesquisador,
professor de Língua Portuguesa e Literatura, e secretário-geral do Partido
Militar Brasileiro-RJ.
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