Por: Lúcia Regina Diniz Trindade
“Pauperismo
e condições de vida que separam de forma frágil os que trabalham dos que vivem
de delitos e expedientes, são os “males” rediscutidos na gênese de uma condição
salarial constituída no momento em que os ares liberais advogavam, que o
crescimento industrial fosse deixado à sua própria sorte. A forma liberal do
contrato, primeira configuração da condição salarial compreendida como estatuto
ao qual se vinculam garantias e direitos, definiu o estado de assalariamento
não apenas como vulnerável, mas como ‘impossível de ser vivido’. É curioso
reencontrar em meio a este relato algumas providências liberais bastante
conhecidas dos novos tempos, como a patronagem, a filantropia, uma política social
sem Estado, que construíam e reconstruíam as esferas extra-salariais em torno
da condição mesma de assalariamento, com vistas à montagem de um plano de
governabilidade assentado na reconstituição do mundo do trabalho, a partir de
um sistema de obrigações morais”. (Robert Castel – Livro: As
Metamorfoses da Questão Social – Uma Crônica do salário – 10 ed. – Editora Vozes – 2012).
As
soluções salariais dos novos tempos estimularam novas estratégias a partir do
Estado, objetivando a segurança e proteção social entre os interesses do
mercado e as reivindicações do trabalho. Mas estas propostas históricas sempre
foram debatidas para serem implementadas “no futuro” e é esta ausência de
aprovação das leis salariais até hoje, colocam em debate o modo de socialização
e as normas de integração com base no trabalho. A organização do trabalho e a
estruturação do trabalho convidam a operacionalização da questão social diante
do crescimento da vulnerabilidade de massa porque a própria constituição do
Estado Social nunca foi aprovada ou instituída.
Robert
Castel afirma que o “Estado Social” continua sendo nossa herança e nosso
horizonte. O compromisso entre a dinâmica econômica comandada pela busca do
lucro com a preocupação da proteção comandada pelas exigências da lei da solidariedade
devem continuar. A permanente renegociação entre políticas sociais e interesse
de mercado é possível. Estas são algumas mediações que propõe a reflexão de
Castel.
Em
nosso país 26,5 é a média nacional de trabalhadores sem a carteira de trabalho
assinada. Homens brancos pertencem o grupo dos maiores salários em todas as
categorias. Mulheres brancas têm um salário 17% inferior ao dos homens. As
mulheres negras recebem pouco mais de 40% do salário masculino. (Autores: Ciro
Biderman e Nadia Araújo Guimarães. Texto: Desigualdades, Discriminação e
Políticas Públicas – Uma análise a partir de setores selecionados da atividade
produtiva no Brasil).
Em
2008 mergulhamos numa nova fase da crise estrutural do capitalismo com a
conseqüente ampliação da precarização do trabalho em escala global. As empresas
globais respaldadas pelos governos, solicitaram proteção para sua produtividade
e competitividade, o que só pode ser feito por meio da corrosão das condições
de trabalho. A tendência a dilapidar a força de trabalho não é algo recente.
O
resultado desse enorme processo de precarização estrutural do trabalho, que ao
atingir a classe trabalhadora dos países avançados, gerou a erosão dos seus
empregos e a corrosão das suas condições de trabalho, não poderia ser outro: a
mundialização tanto do capital, quanto das lutas sociais. Podemos citar o
movimento dos Indignados na Espanha, onde a taxa de desemprego entre os jovens
de 18 a 23 anos alcançou 47%.
A
história chegou a uma conclusão categórica, mesmo que não há mais qualquer
alternativa do capitalismo liberal, cujas estruturas de incentivo exigem
aproximadamente os níveis de desigualdade, que hoje existem nos países
avançados, e cuja dinâmica está agora visivelmente atraindo os países mais
pobres para o mesmo caminho, na direção de uma prosperidade comum
necessariamente competitiva e não igualitária. Mas a história se move em
direção a maior igualdade enfatizada na luta por reconhecimento. A tendência de
longo prazo em direção a uma crescente igualdade humana é ansiosamente
aguardada por todas as nações.
A
esquerda sempre sobreviveu num sistema totalmente capitalista. Na tradição
cultural americana aparece um reflexo preciso da diferença mínima e da
intercambialidade esporádica entre os dois partidos do país. Nota-se nas
políticas domésticas da administração democrata de Clinton que são muito mais
conservadoras do que as da administração republicana comandada por Nixon. Não
existe uma linha nítida de princípios a separar os dois partidos.
Os
conceitos de esquerda e direita jamais poderão ser abandonados. Precisamos
exaustivamente questionar os problemas econômicos colocados pelo capitalismo
moderno: pobreza extrema, desemprego em massa, miséria, instabilidade social. A
manutenção do pleno emprego é o pilar que segura um tolerável grau de
estabilidade, que é o mínimo que se pode esperar. A visão mais ampla que
podemos imaginar é descobrir um plano que termine com a pobreza extrema que é a
maior chaga social de todos os tempos.
“Isolar-se,
trancar-se, esconder-se são hoje as reações mais comuns ao medo das coisas que
se passam “do lado de fora” e que nos ameaçam como uma série de máscaras.
Trincos. Ferrolhos, diversos sistemas de segurança, alarmes e câmaras de
vigilância disseminaram-se das casas de campo das classes abastadas para a
áreas de classe média. Viver por trás de um muro de trancas mecânicas ou
protegido por muralhas eletrônicas, apitos, sprays de pimenta ou gás
lacrimogêneo é parte da orientação urbana para a sobrevivência individual”.
(Autor: Ronald Hitzler, – Tradução de Mark Ritter, apud Ulrich Beck – Democrasy
without Enemies, Cambridge, Polity Press, 1998, p.134).
A
contemporaneidade transborda de medo e frustração. As vidas pessoais são
saturadas por sombrias premonições, todas sofridas e suportadas em solidão.
Especializaram-se no combate aos criminosos, são duros com a criminalidade,
constroem grandes prisões, colocam mais policiais nas ruas… Mas os governos não
prometem aos cidadãos uma vida segura e futuro garantido. Segundo dados recém
divulgados pelo Ministério da Justiça o número total de presos em
penitenciárias e delegacias brasileiras subiu de 514.582 em dezembro de 2011
para 549.577 em julho deste ano.
O
dinheiro gasto na proteção aos indivíduos é altíssimo, e não descobrimos uma
maneira de estancar as prisões. Uma direção poderia ser implementada investindo
na inclusão dos pobres. Daí resulta a reflexão de como tirá-los da pobreza
extrema. Não conseguiremos construir a paz e a sustentabilidade, se continuar
sendo um grande negócio a serviço da acumulação de riquezas e privilégios. Os
excluídos sabem que apenas uma classe social tem privilégios econômicos.
Enquanto que para os excluídos estão reservadas a violência, a repressão e a
miséria. É muito triste ver crianças e adolescentes excluídos sem perspectivas
de futuro. Em um mundo com distribuição de renda, com moradias simples mas
decentes para todos, com educação pública de qualidade para todos, não geraria
essa imensa massa de excluídos descontentes.
Por:
Lúcia Regina Diniz Trindade é palestrante, graduada em
Literatura e Filosofia e mora em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
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