Grupos que se autoproclamaram justiceiros amarraram
adolescente em poste e executaram homem à luz do dia no Rio de Janeiro; vítimas
foram acusadas de roubo
Por: Ana Flávia Oliveira
Adolescente
é preso em poste no Rio de Janeiro por grupo de justiceiros
No começo
de fevereiro, redes sociais, jornais e sites foram tomados pela imagem de um adolescente negro e nu, preso a um poste do
bairro do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro, por uma corrente de bicicleta.
O jovem tinha marcas de espancamento e parte da orelha cortada. Três dias
depois, o jornal carioca "Extra" publicou vídeo em que um homem é
executado à luz do dia em uma rua movimentada de Belford Roxo, na Baixada
Fluminense. Na última quinta-feira (13), outro jovem foi amarrado a um poste e agredido após uma tentativa de assalto
em Itajaí, em Santa Catarina.
Nos três
casos, as vítimas eram acusadas de cometerem furtos e roubos. Os autores se
autoproclamaram “justiceiros” e fizeram o papel da polícia, ao prendê-los, e da
Justiça, ao julgá-los e definir as penas a serem aplicadas. Os autores dos dois
casos do Rio de Janeiro foram identificados dias depois e presos.
Os atos
foram repudiados por parte da população e aplaudidos por outra. Especialistas
ouvidos pelo iG são categóricos: a ação de justiceiros é um
retrocesso à barbárie e não produzem mais segurança.
Preso no
poste, assaltante recebeu socos e pontapés até sangrar em SC
“A
sociedade caminhar para esse tipo de postura [apoiar a ação de justiceiros]
indica a falência do estado democrático de direto”, diz Rodrigo Augusto Prando,
sociólogo da Universidade Prebisteriana Mackenzie.
Para
Prando, o apoio a esse tipo de atitude só é possível porque a sociedade
brasileira é culturalmente violenta. “O gosto pela violência faz parte da vida
do brasileiro, que está habituado a tratar o outro como coisa. Foram 400 anos
de escravidão, em que um grupo mandava e outro obedecia."
Doutora
em estudos da segurança e professora do Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro (Iuperj), Jaqueline de Oliveira Muniz diz que a ação de
justiceiros não é nova e ressurge quando o medo da violência toma conta da
população. “Esse fenômeno sempre ressurge diante de ondas de temor. Diante do medo,
queremos uma solução imediata, e tendemos a abrir mão das nossas regras
[leis]."
Jaqueline
alerta para as consequências do apoio popular a esses grupos: “O justiceiro de
hoje se transforma no tirano de amanhã. O fortão de hoje, que age em nome da
sociedade, vai cobrar regras e taxas de proteção até a liberdade do cidadão
amanhã."
Ela
compara a ação dos justiceiros à dos milicianos, grupos formados por militares,
que cobram taxas em troca de proteção contra traficantes e o crime organizado,
e diz que, caso se propaguem, a tendência é que justiceiros também se
transformem em criminosos.
“Historicamente,
não há exemplo de miliciano ou grupos de justiceiros que tivesse produzido
segurança pública. Ao contrário, eles se converteram em grupos
criminosos."
Já a
professora e coordenadora do curso de psicologia social da PUC-SP, Maria da
Graça Gonçalves, diz que ao dar carta branca aos justiceiros em nome da
diminuição da sensação de insegurança, a sociedade “age com sentimento de
vingança e não de justiça”.
Grupos
O
sociólogo Rodrigo Prando afirma que justiceiros só agem em grupo e contra
indivíduos que estão à margem da sociedade. “Na maioria das vezes, o
justiciamento não parte do individuo, é um ato grupal. Porque juntos os
indivíduos são mais fortes e dizem que podem fazer o papel da polícia. São
grupos contra indivíduos que estão marginalizados e excluídos, como pobres,
crianças, adolescentes, negros, gays etc”, diz.
Para os
especialistas, a ação de justiceiros não indica falha apenas das forças
policiais, mas do modelo de sociedade atual, da Justiça, do Legislativo e do
Executivo.
“Os
espaços de justiça estão frágeis, a democracia está frágil. A violência cria um
espaço de descrença na Justiça, na policia. Esses problemas são espelhos do que
acontece em sociedade", diz a professora Maria da Graça.
Por , Ig.com.br
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