Por: Celso Lungaretti
“As
lágrimas de crocodilo só jorram profusamente quando um cinegrafista de TV é
morto por reais ou supostos black blocs, ou quando um coronel é espancado. A
indignação (seletiva) foi bem menor no caso das várias dezenas de profissionais
da imprensa feridos durante as manifestações pela PM paulista”, diz Lungaretti
O advogado Jonas Tadeu Nunes afirma que seu
cliente Caio Silva de
Souza e outros jovens recebiam pelo menos R$ 150 cada para
provocarem distúrbios durante as manifestações de protesto. E que os
contratantes lhes forneciam, inclusive, as fantasias de black blocs.
Pode ser verdade. Afinal, é fácil e barato de se
fazer. E há sempre forças políticas interessadas em fomentar o caos, os
famosos pescadores em águas turvas [1].
O certo é que, no fundamental, constata-se nas ruas um imenso
desencanto com as consequências do capitalismo (embora a maioria
ainda não esteja consciente de que seja ele a causa) e com os governos que
para elas concorrem, inclusive os do PT.
O secundário são as peripécias das refregas que causam vítimas
de ambos os lados.
Umas são pranteadas e praticamente canonizadas pela grande imprensa e
pelos defensores virtuais dos interesses petistas, como o cinegrafista Santiago
Ilídio de Andrade. Os responsáveis devem ser punidos, claro, mas nem de longe
se justifica tão histérica satanização de jovens que não se davam conta do dano
que poderiam causar.
Num país em que tantos matam premeditadamente e com extrema crueldade, é
patético que os maiores vilãos acabem sendo uns tolos que mataram sem
consciência e por inconsequência (se comprovado que terceiros guiavam suas
mãos, estes merecem castigo muito mais rigoroso, pois os mandantes são sempre
maiores culpados do que os executantes).
Outras vítimas são vergonhosamente escamoteadas
pela mídia. O caso mais emblemático e chocante não se deu exatamente no curso
dos protestos, mas tem de ser lembrado sempre: Ivo Teles da Silva, 69 anos, foi
bestialmente espancado pela PM de Geraldo Alckmin durante o episódio conhecido
como a barbárie no Pinheirinho, por ela ter sequestrado e mantido
longe dos parentes que o procuravam desesperadamente. Tudo isso para esconder
seu estado deplorável; para que a opinião pública não tomasse conhecimento da
barbarização de um idoso. Só foi localizado dez dias depois, teve alta mas
acabou morrendo.
Luminares do Direito brasileiro, dentre eles Celso Antonio Bandeira de
Mello, Dalmo de Abreu Dallari e Fabio Konder Comparato, entenderam que havia
sido cometido um crime e como tal o denunciaram (juntamente com as muitas
outras ilegalidades perpetradas no Pinheirinho) à Comissão de Direitos Humanos
da OEA. A indústria cultural ignorou olimpicamente.
O fato é que as lágrimas de crocodilo só jorram
profusamente quando um cinegrafista de TV é morto por reais ou supostos black
blocs, ou quando um coronel é espancado. A indignação (seletiva) foi bem
menor no caso das várias dezenas de profissionais da imprensa feridos durante
as manifestações pela PM paulista, alguns dos quais sofreram lesões graves e
definitivas.
Ou quando um soldado apertou o gatilho desnecessariamente e colocou em
coma um bobinho que portava um estilingue… perdão, um canivete (é quase a mesma
coisa). Tivesse Fabrício Proteus Chaves morrido, o volume das lamentações seria
o mesmo? Nem a pau, Juvenal!
Mas, repito, o principal é que continuam sendo os
motivos – justíssimos – que levam os jovens às ruas. Como a Copa das
maracutaias, cuja realização a Fifa admitiria com apenas oito sedes, mas o
governo brasileiro preferiu fazer com 12, a fim de contemplar todo tipo de
interesse sórdido. O PT prometia abolir as práticas tradicionais da
politicalha, mas a elas aderiu alegremente.
Terem escolhido o Mundial de futebol como o
principal alvo dos protestos depois das queixas iniciais contra o aumento das
tarifas dos ônibus atesta que os indignados brasileiros têm,
sim, tirocínio político. Daí estarem sendo tão execrados pelos que temem a voz
das ruas – alguns dos quais, melancolicamente, são os mesmos que há algumas
décadas arriscaram a vida para que elas fossem ouvidas. As voltas que o mundo
dá.
Pior: alguns que tanto sofreram sob o AI-5 e outros, mais jovens, que
pretendem ser herdeiros dos ideais da resistência, estão entre os que hoje
surfam na onda de episódios infelizes como o da morte do cinegrafista [2],
aproveitando para pregar a igualação dos atos de protesto a terrorismo (com
penas mais pesadas do que as infligidas a homicidas!!!), sua transformação em
crime inafiançável, a colocação das Forças Armadas nas ruas para reprimir
manifestantes e outras aberrações totalitárias.
Sem se darem conta, pois tudo que fazem atende à prioridade obsessiva de
perpetuação do PT no poder, estão clamando por um novo AI-5.
Não passarão!
[1] Quando este artigo já estava escrito, um
acusado que tenta escapar de uma cana braba deu um suspeitíssimo depoimento à polícia,
sem a presença do seu advogado (portanto, legalmente inválido), sugerindo que o
Psol, PSTU e FIP seriam os financiadores das ações para exacerbar os ânimos.
Digo sugerindo, porque ele não apresentou dado concreto nenhum (quem,
quando, onde, quanto). Eu acho plausível que integrantes de tais partidos
tenham feito doações aos black blocs, e não vejo mal nenhum nisto
numa democracia. Mas, permito-me duvidar de que fossem eles que apontavam
alvos, forneciam indumentárias e pagavam honorários fixos pela jornada
de trabalho. Tal modus operandi é escrachadamente
direitista. De resto, as surpreendentes declarações de Caio Silva de Souza
certamente vão assegurar-lhe uma boa vontade que as autoridades não teriam com
ele se apontasse o dedo para o outro extremo do espectro ideológico.
[2] Além, é claro,
dos reacionários empedernidos que sempre surfam em tais episódios,
mas, pelo menos, estão sendo coerentes com suas (medíocres) convicções. Caso do
Reinaldo Azevedo, que andou até macaqueando o Emile Zola, ao disparar as mais
demagógicas acusações contra a Dilma, o Franklin Martins, o Gilberto Carvalho e
o José Eduardo Cardozo. Vai levar um pito do Ternuma por não ter dado um jeito
de incluir o Lula no pacote. Como o RA fez a besteira de mexer também com o
Jânio de Freitas, que lhe é infinitamente superior como jornalista, não
perderei tempo, reduzindo-o à sua insignificância. Deixo o necessário corretivo
por conta do Jânio, o qual certamente lhe aplicará umas boas palmadas para que
deixe de ser petulante…
Fonte: Congresso em Foco
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