Não gosto de escrever sobre temas tristes, até para não passar a
impressão de que a tristeza é minha musa ou minha companheira. Muito ao
contrário: prefiro a companhia da alegria, o conforto das risadas e a
inspiração do bom humor. Às vezes, contudo, é difícil não sentir o
coração apertar e o riso ficar um pouco mais raro.
Por:
Sou uma pessoa apegada àqueles que amo. Confesso, sem qualquer
vergonha disso. Eu me desapego facilmente de coisas, de lugares e de
gente que me faz mal, mas tenho extrema dificuldade quando o assunto é
gente que eu gosto. Talvez essa seja a razão pela qual sempre fui alguém
de amizades e amores duradouros. Entre meus defeitos, que são bem mais
do que eu gosto de admitir ou mesmo de imaginar, não está o de guardar
mágoas ou rancores. Gosto mesmo é de colecionar amigos e adoro quando
acabo de conhecer alguém e tenho aquele sentimento de que fiz mais uma
amizade.
E se isso tudo me faz muito bem, também há um viés disso que me é bem
doloroso. Eu não sei lidar com as partidas. Nem sei, de fato, se alguém
sabe, mas eu com certeza não sei. Tenho a dádiva de, ao ultrapassar
quatro décadas de vida, ainda ter poucas grandes perdas a contar, mas
nem por isso deixei de sentir profundamente cada uma delas. Sofro pela
ausência que a pessoa deixa, pelo vazio de uma existência que não se
repetirá e que não possui substituto.
Sei que parece piegas e nem me importo se de fato for, mas sofro as
perdas minhas e as alheias, porque vejo nas alheias perdas que um dia
poderão ser minhas. Quando vejo amigos de meus pais se despedindo dessa
vida, pessoas que um dia vi fortes, presentes nesse mundo, fazendo
planos, plenos de existência, é como se eu estivesse em um daqueles
pesadelos nos quais não temos a menor ideia do que é ou não realidade.
Nas lágrimas dos outros eu antevejo minhas próprias lágrimas e o mero
pensar nisso já me causa dor. Sei que o inevitável não existe senão em
meus delírios de felicidade eterna, mas apenas me afasto dessa dor se
finjo que sei me esconder do destino…
Fico pensando, nessas horas, o quanto a vida é frágil e efêmera. A
existência humana é um simples sopro no mundo e finaliza quando o
Criador assopra a chama dos nossos dias. E esse sopro, além de tudo, ora
se parece como um vento calmo, ora como um furacão. Nunca estamos
prontos, ainda que pensemos estar. A eternidade não nos pertence e
nossos corações se ressentem disso, muito mais do que nossa própria
existência.
Somos criaturas frágeis, feitas de ossos, mas que gostariam de viver
como se fossemos feitos de aço. E no final de tudo, façamos o que
fizermos, perderemos a batalha, ao menos essa que nos é dado assistir. A
esperança de um segundo tempo, de um cenário por detrás das cortinas
que se abaixam, é que nos dá algum consolo. Enquanto plateia, no
entanto, inevitável lamentarmos o final do espetáculo, apegados que
estamos ao enredo e ao elenco.
Quando fico assim, dorida das perdas passadas e das perdas futuras,
gosto de invocar uma cena que vi descrita certa feita, cuja autoria não
me recordo, mas que descrevia o fim de nossa existência nesse mundo como
uma derradeira viagem de barco. Na despedida daqueles que estão a
bordo, além de acenos de mão, há as lágrimas daqueles que ficam,
desolados por verem, na linha do horizonte, o barco sumir de vista. O
que não conseguem ver, no entanto, é que, para além daquela mesma linha,
outros saúdam a chegada dos viajantes, empurrados pelo sopro Divino,
imensos de saudades…
Fonte: “PAZ”
*Cinthya Nunes Vieira da Silva é advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora – São Paulo.
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