Peregrinação à Serra da Barriga é tradição no Dia da Consciência Negra
Por: Thaís Antonio e Marcos Chagas
União dos Palmares
(AL) - Desde 1981 intelectuais negros vão ao município de União dos Palmares
(AL), no dia 20 de novembro, para subir a Serra da Barriga e visitar o local
onde existiu o Quilombo dos Palmares e viveu um dos maiores líderes negros,
Zumbi dos Palmares. O movimento cresceu e hoje o topo de um dos montes da serra
atraiu, este ano, cerca de 10 mil peregrinos para a chamada Meca negra.
A programação
começou com a limpeza espiritual do quilombo. Religiosos de matriz africana
deram um banho de cheiro no local e depois receberam dezenas de capoeiristas
para um café da manhã. Reunidos em um cortejo sagrado, levaram uma coroa de
flores amarelas e brancas até a estátua de Zumbi.
A reverência ao
herói nacional vinha de todos os lados. “Eu não poderia ser uma pessoa
resistente se não existisse Zumbi dos Palmares. Toda gente negra brasileira tem
nele aquele marco da resistência contra a discriminação e a segregação”,
destacou o presidente da Fundação Cultural Palmares, Hilton Cobra.
Para a religiosa
Cintia Santana, Zumbi começou a reconstruir a autoestima negra, perdida na
travessia dos navios negreiros abarrotados de africanos escravizados. “O Zumbi,
para nós que somos negros, foi uma quebra para sabermos hoje que temos
identidade. Nós somos o que somos porque pessoas como ele lutaram pela nossa
identidade, pela nossa cor, pela nossa raça”, diz. “Chegamos aqui no
Brasil forçados e começamos a trabalhar para os engenhos. Não tínhamos valor e
ele mostrou que o negro tem valor.”
O mestre de
capoieira Juscenildo Barreto da Silva, conhecido como mestre Veneno, aproveitou
o dia fazer o que sabe. Na roda, entre um golpe e outro, deu seu depoimento: “o
rei Zumbi é praticamente o nosso advogado, que lutou pela gente e morreu pela
gente. Isso é muito importante para nós capoeiristas. Todos os dias, nas nossas
escolas de capoeira, nas nossas vivências, a gente fala no rei Zumbi".
Foi no dia 20 de
novembro de 1695 que morreu Zumbi, herói nacional perseguido por tropas do
governo por lutar pela liberdade dos negros escravizados, trazidos da África
para o Brasil. O Quilombo dos Palmares é um símbolo histórico dessa luta . Com mais de 200 quilômetros de
extensão, ocupou uma área que ia de Pernambuco a Alagoas. Ali, negros e negras
que não suportavam as regras da chibata se refugiaram desde o fim do século 16.
Os historiadores acreditam que o Quilombo dos Palmares durou mais de um século.
A história desse
local um tanto místico, um tanto símbolo de resistência não é totalmente clara.
O pouco que se sabe foi contado na versão dos colonizadores. O pesquisador da Universidade Federal de Alagoas, Zezito de
Araújo, explica que a imagem de Zumbi como herói é uma construção recente.
“Zumbi tem vários momentos no escrever da história brasileira. Primeiro ele não
existia. Quando ele começou a existir, ele passou a ser considerado um suicida.
Com isso, você descaracteriza esse grande herói que ele é, porque o
desqualifica como tal”, reforça.
A partir da década
de 1970, em consequência da militância do movimento negro, Zumbi passou a ter
uma nova conotação: ele se tornou um herói, um guerreiro que liderou a revolta
dos quilombolas. Para a professora Clara Suassuna, diretora do Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal de Alagoas, a simbologia do
herói Zumbi é muito forte.
Ela conta uma
história que ouviu na Serra da Barriga, o local onde fica o Quilombo dos
Palmares. “Eu entrevistei uma senhora na serra da barriga e ela disse que o
negro Zumbi toda noite batia na porta da casa dela”. Por mais que o filho
mostrasse a mãe que o barulho na porta era provocado por uma coruja, a mãe não
se conformava: “eu sei a diferença entre coruja e Zumbi’”, conta. Com isso na
cabeça, foi conversar com o professor Kabengele Munanga, da Faculdade de
Filosofia Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo. “Ele me
lembrou que os grandes espíritos se incorporam nos animais. Isso é uma prática
de diversos lugares da África, da cultura indígena e isso tem um poder
simbólico muito grande”, resumiu Munanga.
Clara Suassuna
destacou que a história de Zumbi precisa ser tratada com mais respeito. “A
gente não tem relatos escritos pelos próprios negros. Eu acho que ainda precisa
muito estudo para a gente poder esclarecer e montar uma história de Zumbi de
forma mais respeitosa, porque durante muito tempo ele foi machucado e só agora
está sendo recuperado com a dignidade que merece”, diz.
Por: Thaís Antonio e Marcos Chagas, Agência Brasil
Mestre Zumbi dos Palmatres
Guerrilheiro negro brasileiro nascido em um dos mocambos do quilombo de
Palmares, o líder mais famoso desse famoso quilombo e cuja vida
tornou-se envolta em mitos e discussões. Descendente dos guerreiros
imbangalas ou jagas, de Angola, com poucos dias de vida foi aprisionado
pela expedição de Brás da Rocha Cardoso e dado ao padre Antônio Melo em
Porto Calvo (1655).
Batizando como Francisco cresceu demonstrando uma
inteligência privilegiada, e favorecido pela admiração do padre, aos 10
anos já sabia português e latim e aos 12 era coroinha. Aos 15 anos fugiu
da casa do padre para voltar a Palmares, onde adotou o nome de Zumbi e
passou a trabalhar na liderança dos quilombeiros. Participou da batalha
em que a expedição de Jácome Bezerra foi derrotada (1673). Três anos
depois, em um combate contra as tropas de Manuel Lopes Galvão, foi
ferido com um tiro na perna (1676).
Revoltado com a assinatura de um acordo de paz (1678), rompeu com
Ganga-Zumba e foi aclamado Grande Chefe pelos revoltosos que não
aceitaram o acordo. Atacado pelas tropas lideradas por Domingos Jorge
Velho (1694), foi baleado, mas conseguiu fugir espetacularmente. Um ano
depois reapareceu e com cerca de 2000 palmarinos voltou a atacar
povoados em Pernambuco, especialmente para conseguir armas e munições.
No entanto, em um dos ataques, um de seus grupos foi derrotado, e o seu
comandante, Antônio Soares foi preso (1695). Após ser torturado pelo
bandeirante e mercenário paulista André Furtado de Mendonça, este lhe
ofereceu a liberdade em troca da revelação do esconderijo de Zumbi e, em
20 de novembro daquele ano, Soares levou Mendonça até o esconderijo, na
Serra Dois Irmãos.
Conta-se que ao ver Soares, o grande chefe dos
revoltosos foi abraçá-lo, mas foi recebido com uma punhalada no
estômago. Os paulistas atacaram e o rebeldes presentes foram mortos. Seu
corpo, perfurado por balas e punhaladas, foi levado a Porto Calvo, onde
sua cabeça foi decepada e enviada para Recife, que por ordem do
governador foi espetada em um poste para exposição pública até sua total
decomposição.
O dia 20 de novembro tornou-se o Dia da Consciência Negra.
Por: Marcelo
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