Incerteza, medo, tudo sobre o rapaz!

O medo é um dos companheiros mais comuns em nosso cotidiano. Ele está presente não só quando ligamos a TV e não vemos, quase nunca, nenhuma notícia sobre qualquer descoberta científica dos laboratórios brasileiros, mas somente tomadas aéreas de povos indignados que, se estiverem fora do Brasil serão considerados “manifestantes” e, se estiverem dentro serão “vândalos”, “baderneiros”, “criminosos”. O medo nos vendeu nosso último sapato, lembra? Ele era o “último do estoque”, segundo aquele vendedor super simpático que não mentiria para nós, é claro! Por: Paulo Cesar da Costa Kress

O medo nos vendeu muitas respostas. O medo da saúde pública não te deixa atrasar o plano de saúde, o medo da educação pública também coloca no débito automático a mensalidade do colégio dos filhos. Ele está sempre por ali, rodeando.

O medo quase não consegue sobreviver sozinho, ele precisa da sua irmã, a incerteza. O medo acontece quando esquecemos de um compromisso e recebemos a ligação de quem está nos esperando, quando nossa atitude é o inverso de nossas palavras exatamente no momento em que somos pegos por nossos filhos, ou pais, ou amigos. O medo real é instantâneo, ele acontece nos “aquis e agoras” da vida. A faca no nosso pescoço nos dá medo, sem dúvida, a arma na nossa têmpora no trânsito, o dedo do chefe na nossa cara nos despedindo, as pessoas que amamos no momento em que decidem se afastar de nossas vidas. Esse é o medo. O resto é incerteza.


A incerteza é o medo projetado. Medo da repetição do passado doloroso projetado no presente, medo do imprevisto do futuro, do incerto, do “destino”, também projetados no nosso presente. Não duvido de que a maior parte do consumo do mundo seja gerado pela incerteza. A incerteza gera ansiedade e essa vende remédios como ninguém para a indústria farmacêutica, por exemplo. Ou aquele sapato lá do primeiro parágrafo.

Parece simples saber o que se quer, não? Freud diz que grande parte de nossa motivação é inconsciente. É freqüente que se aja (ou melhor, se reaja) sem consciência do que nos motiva. Toda cultura conspira para convencer seus membros a adequar seus desejos ao que é considerado “certo” e “bom”. Os bons capitalistas competem e consomem. Os bons comunistas não (teoricamente). A indústria da publicidade baseia-se em premissas muito simples: os seres humanos desejam muitas coisas, mas não sabem exatamente o que os satisfaz. E é bom que não saibam, porque assim é possível usar a propaganda como condutor do foco. O foco leva a energia e a energia desperdiça a si mesma levando, consigo o tempo e o dinheiro.

Grande parte do medo vem do que não se conhece, da ausência de informação e do excesso de tentativas constantes de formação de opiniões com interesses distintos. O problema é que um mecanismo gerado para promover o constante consumo de diferentes produtos vai mudar de ideia constantemente sobre o que deve ser comprado e, é claro, pensado.

“Aquele que teme algo confere a isso poder sobre ele.” – Provérbio Árabe
Qual será o melhor critério para comprarmos o sabão em pó? A confiança na marca mais antiga? A inovação da marca mais recente? O preço? A beleza e praticidade do design da embalagem? Critérios diferentes levam a soluções diferentes. A questão é que os critérios externos são mutáveis demais para que possamos confiar plenamente neles, o que leva ao que o sociólogo Richard Sennett denominou como “Corrosão do Caráter”. O mesmo ponto que o seu colega de profissão Zygmunt Bauman critica como excessivamente “líquido”, inconstante e fluido.

O medo nos leva a temer o novo, a arraigarmos nosso ethos (cola social, o que mantém uma sociedade unida) a uma estrutura política – uma estrutura de interesses – decadente. Perguntar-se “o que eu quero de fato?” não é apenas arriscado, é revolucionário! É a ante-sala da liberdade! E a liberdade tem um preço, assim como descobrem os adolescentes quando resolvem morar sozinhos, procurar um emprego, definirem carreiras.

É perfeitamente compreensível que essas memórias ásperas possam ser petrificadas dentro de uma personalidade frágil, mas se erigirmos um caráter forte – o tipo de caráter que não interessa para a sociedade de hiperconsumo em que vivemos, porque consome menos paliativos para medos difusos -, com base em valores que possam ser defendidos por todos, em todos os momentos e lugares, na favela e no asfalto, para o negro e para o branco, para o jovem e para o idoso, mulher e homem, hétero ou homo, enfim, se formos capazes de nos tornarmos humanos a esse ponto, quem sabe tenhamos uma sociedade madura o suficiente para enfrentar diretamente os problemas que nós mesmos criamos, ao invés de nos sentirmos tentados a usar, para outros seres humanos, o mesmo mecanismo que usamos para nossos aparelhos digitais: “deu defeito? joga no lixo!”.

Para descobrir o que se deseja, é necessário ter essa espécie madura de coragem. Essa espécie de coragem apta a conviver num mundo plural e a lidar, diariamente, com as diferenças de modos, crenças, usos, saberes. É necessário também que os desvios graves e delitos pequenos sejam punidos, ambos, sempre com uma finalidade pedagógica.

Porque o dia em que abrirmos completamente mão da finalidade pedagógica nas punições necessárias em sociedade, será o dia em que estaremos assumindo que punimos para dar uma pós-graduação no crime, alojando pessoas em condições sub-humanas onde o ladrão se torna assassino, o assassino estuprador e o estuprador aprende a assassinar e a esconder o corpo da vítima. Quando deixarmos de tratar pessoas como lixo talvez sejamos melhores do que o nosso “lixo” interno, nossa ira, nossa raiva, nossa intolerância, que jogamos sobre eles.

A projeção do nosso medo, da nossa incerteza e da nossa ansiedade, gerando e aumentando a violência, o preconceito e a intolerância entre todos a todo tempo, numa constante guerra de “todos contra todos” é um dos maiores tapas com luva de pelica que o mundo pode nos dar, por estarmos abolindo, cada vez mais, a vergonha.

Quando o governador e o prefeito de uma cidade humilham, espancam e criminalizam a pobreza e os negros através de uma polícia que mais agride e mata do que defende e preserva, não podemos atender aos nossos mais mesquinhos desejos de conveniência e esperar que uma instituição assassina resolva o “problema” gerado pelo nosso descaso. Não podemos porque é conveniente. É de uma conveniência covarde. E essa covardia nada mais é do que uma rendição à ditadura do medo.

POr: Renato César da Costa Kress é brasileiro, poeta, escritor e nasceu no Rio de Janeiro no ano 82. Concluiu seus estudos secundários no Colégio Cruzeiro – Deutsche Schule. Lançou em 2000, aos 18 anos, o livro Consciência, sobre impactos do neoliberalismo nos países de terceiro mundo, livro este que começara a escrever dois anos antes. É co-fundador e co-editor da revista eletrônica www.consciencia.net, e membro do I-Latina.org. É diretor do Instituto ATENA e criador do treinamento registrado “A Jornada do Herói®”

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