Inclusão social: a redistribuição quanto ao reconhecimento humano

Por: Lúcia Regina Diniz
“Ser e permanecer diferente é um valor em si mesmo, uma qualidade digna de ser preservada a qualquer custo, mesmo com luta, um clarim é tocado para o alistamento, a formação e a ordem-unida. Antes, porém, diferença adequada ao reconhecimento sob a rubrica dos “Direitos Humanos” precisa ser encontrada ou construída. É graças à combinação de todas essas razões que o princípio dos “direitos humanos” age como um catalisador que estimula a produção e perpetuação da diferença, e os esforços para construir uma comunidade em torno dela. É correto protestar contra a indiscriminada separação da política cultural da diferença em relação à política social da igualdade e ao insistir em que a justiça hoje requer também a redistribuição quanto ao reconhecimento. Não é justo que alguns indivíduos ou grupos vejam negado seu status de plenos parceiros na interação social simplesmente em conseqüência de padrões institucionalizados de valor cultural cuja construção não participaram com igualdade e que menosprezaram suas características distintivas ou as características distintivas a ele atribuídas”. (Autora: Nancy Fraser – Livro:“Social Justice in the age of identity politics: redistribution, and participation”, in Detlev Claussen e Michael Werz (orgs) Kristische Theorie der gegenwart, Hanover: Institur für Soziologie and der Universitat hannov).

Atualmente muito se debate sobre a reivindicação do reconhecimento humano. Colocar a questão do reconhecimento no quadro da justiça social atenua a separação física ou social, diminui a quebra da comunicação e hostilidades perpétuas por demandas de reconhecimento social. Estas mediações por redistribuições feitas em nome da igualdade são formas de integração, enquanto, que as desmandas por reconhecimento em termos de distinção cultural promovem a divisão, a separação, o ódio e a interrupção do diálogo, citando Fraser, “A justiça social significa que todos tenham Direitos Iguais à estima social”.


Todos os seres humanos têm o direito de procura pela estima pessoal, em condições de igualdade. A auto-afirmação e a auto-realização, as guerras pelo reconhecimento descarregam o seu potencial combativo em genocídios. Quando a justiça social, as reivindicações ao reconhecimento e a política de esforços de reconhecimento se tornam fortes e férteis para a aceitação mútua e diálogo significativo surge o nascimento da “Comunidade Ética”.

“Emile Durkheim e os republicanos do fim do século XIX chamaram de solidariedade esse vínculo problemático que assegura a complementaridade dos componentes de uma sociedade a despeito da complexidade crescente de sua organização. É o fundamento do pacto social. Durkheim reformulava-o nesses termos no momento em que o desenvolvimento da industrialização ameaçava solidariedades mais antigas que ainda deviam muito à reprodução de uma ordem baseada na tradição e no costume. No raiar do século XX, a solidariedade deveria tornar-se um assumir-se voluntário da sociedade e o o Estado Social, fazer-se seu fiador. Na aurora do século XXI, quando as regulamentações implantadas no contexto da sociedade industrial estão, por sua vez, profundamente abaladas, é o mesmo contrato social que, sem dúvida, deve ser redefinido a novas expensas. Pacto de solidariedade, Pacto de Trabalho, Pacto de Cidadania: pensar as condições da inclusão de todos para que possam comerciar juntos, como se dizia na época do iluminismo, isto é, ‘fazer sociedade’”. (autor: Robert Castel – Livro: As Metamorfoses da Questão Social – Uma Crônica do Salário – 10ª. Edição – Editora Vozes).

A inclusão social é o maior desafio de nosso país, que por razões históricas que nunca foram devidamente esclarecidas, acumularam gigantesco conjunto de desigualdades sociais, que até hoje não foram elucidadas no tocante à distribuição da riqueza, do acesso aos bens materiais e culturais e na apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos. Não podemos esconder de nós mesmos, e do mundo todo a favelização que cada vez mais aumenta sem o mínimo de acesso à redistribuição dos bens educacionais e culturais. O maior desempenho social é estabelecer condições para que todos os habitantes do país possam viver com adequada qualidade de vida e como cidadãos plenos de ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho. Um país rico como o nosso não justifica a riqueza de poucos (20%) e extrema pobreza de muitos (80%).

O gesto de solidariedade expressa o desapego às coisas materiais, contribui para formar o indivíduo para uma vida mais simples, prepara-o para a partilha. Ensina-se pela generosidade o amor ao outro pelo exemplo da generosidade. Percebemos que ao ajudar o outro, também nos ajudamos e nos sentimos úteis e necessários aos seres humanos e ao mundo. A solidariedade e a generosidade são valores positivos, mais não pode ser uns valores isolados, individuais. Somando-se com outros valores seu sentido social cresce e contribui para a formação de uma sociedade dentro de padrões humanizados e respeitáveis, elevados para todos os seres humanos.
“As melhorias econômicas já não anunciam o fim do desemprego. Atualmente “racionalizar” significa cortar e não criar empregos, e o progresso tecnológico e administrativo é avaliado pelo “emagrecimento” da força de trabalho, fechamento de divisões e redução de funcionários. Empregos vitalícios já não existem. Na verdade, empregos como tais, da maneira como outrora os compreendíamos, já não existem. Sem estes, há pouco espaço para a vida vivida como um projeto, para planejamento de longo prazo e esperanças de longo alcance. Seja grato pelo pão que come hoje, e não cogite demasiado do futuro… O símbolo da sabedoria já não é a conta da poupança. Atualmente, pelo menos para os que podem se dar ao luxo de ser sábios, passou a ser os cartões de crédito e uma carteira cheia deles”. (Texto da Conferência Willlem Bonger proferida na Universidade de Amsterdam em maio de 1995).
Há 30 anos atrás os países adiantados culturalmente investiam no estado de bem-estar social, a fim de reabilitar os temporariamente inaptos, e motivar as pessoas aptas a se empenharem mais, protegendo-as do medo de perder a aptidão. A Previdência Social era considerada uma rede de segurança, entendendo pela comunidade sob cada uma de seus membros, fornecendo-lhe a coragem necessária para enfrentar o desafio da vida, para que cada vez mais conservassem os seus empregos. O estado de bem estar, a comunidade assumia a responsabilidade de garantir para que os desempregados tivessem saúde e habilidades suficientes para se reempregar e manter o seu poder aquisitivo.
Mas todos esses avanços sociais regrediram e a Responsabilidade Social pela situação humana foi privatizada e os instrumentos e métodos não foram regulamentados. O auto-engrandecimento tomou o lugar do aperfeiçoamento social patrocinado e a auto-afirmação ocupa o lugar da responsabilidade coletiva pela exclusão de classes. Os padrões da sociedade consumidora prometem alcançar os fins diretamente sem primeiro se aparelharem os meios. O resultado atual foi o surgimento da criminalidade cada vez maior. Nos anos de desregulamentação e desmantelamento dos dispositivos de bem-estar foram também os anos de criminalidade ascendente de força policial e população carcerária cada vez maiores.
“Os pobres de hoje (aqueles consumidores irremediavelmente falhos, imunes às adulações do mercado e improváveis contribuintes para a procura ávida de estoques, por mais tentadores que esses estoques possam ser) são evidentemente inúteis para os mercados orientados para o consumidor e, cada vez mais, também para governos de estado, que agem mais e mais como xerifes locais em nome do comércio e das finanças extraterritoriais. Os pobres de hoje não são mais as “pessoas exploradas” que produzem o produto excedente a ser, posteriormente, transformado em capital; nem são eles o “exército de reserva da mão-de-obra”, que se espera seja reintegrado naquele processo de produção de capital, na próxima melhoria econômica. Economicamente falando (e hoje também governos politicamente eleitos falam na linguagem da economia), eles são verdadeiramente redundantes, inúteis, disponíveis, e não existe nenhuma “razão racional” para a sua presença contínua…” (Autor: Zygmunt Baumann – Livro: O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Jorge Zajar Editor Ltda. – 1997).
A incriminação da pobreza e a brutalização para com os pobres emergiu como o principal substituto da sociedade de consumo para o rápido desaparecimento dos dispositivos do estado de bem-estar. A resposta ao problema da pobreza numa época em que os pobres eram a reserva de mão-de-obra, e se fossem preparados para voltar a atuar no processo produtivo, não é mais, sob essas circunstâncias alteradas “economicamente justificáveis” como um luxo que a sociedade de consumo não pode dar. O maior problema dos pobres é remodelado como a questão da lei e da ordem, e os fundos sociais outrora destinados à recuperação das pessoas temporariamente desempregadas, são despejadas na construção e modernização tecnológica das prisões, ou outros equipamentos primitivos e de vigilância. A mudança é mais acentuada nos Estados Unidos, onde a população carcerária triplicou entre 1980 e 1993, alcançando em junho de 1994 o total de 1.012 851. O crescimento médio foi de mais de 65.000 por ano.
É oportuno refletirmos sobre o mundo moral de Levinas que estende-se entre o eu e o outro. É no interior desse espaço que ele encontra o berço da Ética e todo o alimento de que o eu ético necessita para manter-se vivo: o silencioso desafio do Outro e a minha dedicada, mas desprendida responsabilidade. É um vasto espaço até onde chega a Ética, reduzindo a uma escala os mais elevados picos da santidade.

Por: Lúcia Regina Diniz Trindade é palestrante, graduada em Literatura e Filosofia e mora em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

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